São Paulo, Quinta-feira, 29 de Abril de 1999
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SAÚDE
Fibra mineral, também conhecida como asbesto, já foi banida em 15 países; no Brasil, riscos são pouco conhecidos
Efeito nocivo do amianto volta a ser debatido

MARCELO LEITE
enviado especial a Minaçu (GO)

Quase todo brasileiro já teve contato com amianto, presente em telhas e caixas d'água. Suas fibras podem causar câncer, quando aspiradas pelo pulmão. Enquanto na França um industrial é indiciado por envenenar seus operários, no Brasil o assunto não chega a empolgar o público.
Empresários do setor dizem que a reação francesa é irracional. A acusação criminal contra Claude Chopin, diretor da empresa Amisol (fechada em 74), há duas semanas, seria só para aplacar um público traumatizado com os escândalos do sangue contaminado e da doença da vaca louca.
"O tempo e a ciência estão a nosso favor", diz Antonio Luiz Aulicino, presidente da Eternit, grupo que inclui a maior mina de amianto do país, em Goiás.
A Eternit e o governo brasileiro apóiam contestação do Canadá na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a proibição do amianto na França, baixada em 97. Há 15 países que optaram pelo banimento, na maioria europeus.
O argumento para questionar a decisão francesa é que não há prova científica a sustentá-la. Ao banir todo e qualquer tipo de amianto, a França estaria prejudicando formas mais benignas do mineral, como o do tipo crisotila (branco) explorado no Brasil.

Riscos
As milhares de mortes associadas com amianto, em países industrializados, nada teriam a ver com o crisotila e o tipo de uso -"controlado"- que se faz no Brasil, afirmam seus defensores.
Por suas características físicas e químicas, o crisotila seria mais facilmente absorvido pelo organismo que o anfibólio (amianto azul). Com isso, teria menos chances de provocar doenças como placas pleurais, asbestose e mesotelioma.
Além disso, o risco maior com amianto não atinge a população em geral. Fibras ingeridas com a água, por exemplo, não têm o efeito daquelas aspiradas com o ar.
A fabricação de telhas e caixas d'água também não seria perigosa, porque os operários manipulam massa molhada, com pouco pó.
Na mina de amianto Cana Brava, em Minaçu (GO), também não há grande problema. Trabalha-se ali com concentrações de poeira inferiores a 0,7 fibra por cm3, mais perto do limite legal dos EUA (0,1 f/ cm3) do que do brasileiro, 20 vezes maior (2 f/cm3).

Sem proteção
O grande nó está na indústria de autopeças (freios e fricção) e têxtil. Nessas fábricas mais numerosas e tradicionais, muitas de fundo de quintal, funcionários estariam sendo expostos a níveis perigosos de poeira de amianto.
Condições semelhantes vigoram na construção civil. Não é comum, de fato, observar operários usando máscaras ao serrar telhas e canos de amianto.
Esses trabalhadores estariam enfrentando condições semelhantes às do tempo em que se desconhecia o potencial cancerígeno do amianto.
Entre 885 ex-funcionários da Eternit examinados pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), em Osasco, foram constatados 88 casos de asbestose e 165 de placas pleurais. Mais da metade dos examinados, segundo a associação, apresentou algum tipo de doença pulmonar.
"Não há limite seguro para cancerígenos, tem de evitar a exposição", diz Fernanda Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalho e famosa defensora do banimento do amianto. "Pela força que têm, (as indústrias) conseguiram criar limite de tolerância, um absurdo."
"Por prudência e prevenção, deve-se tomar cuidado para dizer que não produz câncer. É uma questão basicamente científica, mas não resolvida", diz o médico Diogo Pupo Nogueira.
Professor aposentado da USP, ele descreveu o primeiro caso de asbestose na literatura médica brasileira. Não acredita em "uso controlado" do amianto: "É coisa mais ou menos utópica".
Em apoio a sua desconfiança, cita estudo recente da Fiocruz que descobriu cinco casos de asbestose em operárias de uma indústria têxtil que usa o crisotila.


O jornalista Marcelo Leite viajou a Minaçu a convite do Grupo Eternit



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