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São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

Há de haver, hão de existir

Há tempos devo a alguns leitores uma explicação sobre o emprego dos verbos "haver" e "existir", sobretudo quando integrantes de locuções verbais.
Como se sabe, não são poucos os significados do verbo "haver", muitos dos quais só têm registro em textos literários, religiosos, filosóficos etc. No antológico poema "O Mar", do escritor maranhense Gonçalves Dias, encontra-se a forma "houveste", do pretérito perfeito do indicativo, neste trecho: "Donde houveste, ó pélago revolto, esse rugido teu?".
Certa vez, um importante vestibular pediu aos candidatos que reescrevessem esse trecho de "O Mar" substituindo "houveste" por um sinônimo, o que implicava dar como resposta uma forma verbal da mesma flexão. Como nesse caso o verbo "haver" tem o sentido de "obter", "conseguir", a resposta deveria ser "obtiveste", "conseguiste": "Donde obtiveste (ou "conseguiste'), ó pélago revolto, esse rugido teu?".
Pois bem, entre os vários sentidos de "haver" está o de "existir". E é aí que os problemas começam. Esses verbos são sinônimos, mas não devem ser empregados do mesmo modo. Usado com o sentido de "existir", o verbo "haver" fixou-se no português padrão como impessoal (verbo que não tem sujeito e fica sempre na terceira pessoa do singular). O verbo "existir" é sempre pessoal, ou seja, é conjugado de acordo com o seu sujeito.
Quando se diz "Há muitas pessoas na sala", não se faz a concordância entre "há" (terceira pessoa do singular) e "pessoas" (plural). Se "haver" for substituído por "existir", será preciso fazê-lo concordar com "pessoas": "Existem muitas pessoas na sala".
É importante lembrar que é absolutamente indiferente o tempo em que se flexionam esses verbos. Se os exemplos do parágrafo anterior fossem postos no pretérito imperfeito do indicativo, por exemplo, teríamos, respectivamente, "Havia (e não "haviam') muitas pessoas na sala" e "Existiam (e não "existia') muitas pessoas na sala". Em suma, quando usado com o sentido de "existir", "haver" não sai do singular (em qualquer tempo). O verbo "existir" não tem nada com a história.
E como ficam esses verbos quando usados em locuções verbais? Qual é o plural de "Há de haver solução melhor" e "Há de existir solução melhor"? É simples: basta levar em conta que, numa locução verbal, a "cabeça pensante" é sempre a do verbo principal (o último). O verbo auxiliar limita-se a seguir (fielmente) as "vontades" do chefe.
Em "Há de haver solução melhor", o verbo principal é "haver", que, por ser empregado com o sentido de "existir", é impessoal. Seu auxiliar (qualquer que seja) "assume" essa impessoalidade e não sai do singular: "Há de haver soluções melhores".
Em "Há de existir solução melhor", o verbo principal é "existir", que, como vimos, é sempre pessoal (concorda com o sujeito). Seu auxiliar (qualquer que seja) comporta-se como ele: "Hão de existir soluções melhores".
De novo, não custa lembrar que o tempo verbal não interfere em nada: "Havia/Haverá/Haveria de haver soluções melhores"; "Haviam/Haverão/Haveriam de existir soluções melhores". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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