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PASQUALE CIPRO NETO
Há de haver, hão de existir
Há tempos devo a alguns
leitores uma explicação sobre o emprego dos verbos "haver"
e "existir", sobretudo quando integrantes de locuções verbais.
Como se sabe, não são poucos os
significados do verbo "haver",
muitos dos quais só têm registro
em textos literários, religiosos, filosóficos etc. No antológico poema "O Mar", do escritor maranhense Gonçalves Dias, encontra-se a forma "houveste", do pretérito perfeito do indicativo, neste
trecho: "Donde houveste, ó pélago
revolto, esse rugido teu?".
Certa vez, um importante vestibular pediu aos candidatos que
reescrevessem esse trecho de "O
Mar" substituindo "houveste"
por um sinônimo, o que implicava dar como resposta uma forma
verbal da mesma flexão. Como
nesse caso o verbo "haver" tem o
sentido de "obter", "conseguir", a
resposta deveria ser "obtiveste",
"conseguiste": "Donde obtiveste
(ou "conseguiste'), ó pélago revolto, esse rugido teu?".
Pois bem, entre os vários sentidos de "haver" está o de "existir".
E é aí que os problemas começam.
Esses verbos são sinônimos, mas
não devem ser empregados do
mesmo modo. Usado com o sentido de "existir", o verbo "haver" fixou-se no português padrão como
impessoal (verbo que não tem sujeito e fica sempre na terceira pessoa do singular). O verbo "existir"
é sempre pessoal, ou seja, é conjugado de acordo com o seu sujeito.
Quando se diz "Há muitas pessoas na sala", não se faz a concordância entre "há" (terceira pessoa
do singular) e "pessoas" (plural).
Se "haver" for substituído por
"existir", será preciso fazê-lo concordar com "pessoas": "Existem
muitas pessoas na sala".
É importante lembrar que é absolutamente indiferente o tempo
em que se flexionam esses verbos.
Se os exemplos do parágrafo anterior fossem postos no pretérito imperfeito do indicativo, por exemplo, teríamos, respectivamente,
"Havia (e não "haviam') muitas
pessoas na sala" e "Existiam (e
não "existia') muitas pessoas na
sala". Em suma, quando usado
com o sentido de "existir", "haver" não sai do singular (em qualquer tempo). O verbo "existir"
não tem nada com a história.
E como ficam esses verbos
quando usados em locuções verbais? Qual é o plural de "Há de
haver solução melhor" e "Há de
existir solução melhor"? É simples: basta levar em conta que,
numa locução verbal, a "cabeça
pensante" é sempre a do verbo
principal (o último). O verbo auxiliar limita-se a seguir (fielmente) as "vontades" do chefe.
Em "Há de haver solução melhor", o verbo principal é "haver",
que, por ser empregado com o
sentido de "existir", é impessoal.
Seu auxiliar (qualquer que seja)
"assume" essa impessoalidade e
não sai do singular: "Há de haver
soluções melhores".
Em "Há de existir solução melhor", o verbo principal é "existir", que, como vimos, é sempre
pessoal (concorda com o sujeito).
Seu auxiliar (qualquer que seja)
comporta-se como ele: "Hão de
existir soluções melhores".
De novo, não custa lembrar que
o tempo verbal não interfere em
nada: "Havia/Haverá/Haveria de
haver soluções melhores"; "Haviam/Haverão/Haveriam de existir soluções melhores". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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