|
Próximo Texto | Índice
JUVENTUDE ENCARCERADA
Rapaz que ganhou bolsa de estudos em universidade e escreveu livro está preso, acusado de latrocínio
Exemplo de sucesso da Febem está na cadeia
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Algemado e com o uniforme
surrado de presidiário, o ex-interno da Febem Cleonder Santos
Evangelista, 20, em quase nada
lembrava, na última quarta-feira,
o jovem de terno e gravata fotografado ao lado do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do
governador paulista, Geraldo
Alckmin (PSDB), e da ex-prefeita
de São Paulo Marta Suplicy (PT).
Em abril do ano passado, durante a Bienal do Livro, em São
Paulo, Evangelista posou ao lado
de autoridades no lançamento de
seu livro "Luz no Fim do Túnel: a
História de Sucesso de um Ex-interno da Febem", da editora Arte
& Ciência, que teve apoio da Secretaria Estadual da Educação
-a orelha é assinada pelo secretário Gabriel Chalita- e da Unip
(Universidade Paulista).
Livre desde 2003, depois de
duas internações por tráfico de
drogas, roubo e tentativa de homicídio, Evangelista tornou-se escritor, palestrante e estudante de
direito e era proclamado pelo governo paulista como exemplo de
recuperação promovida pela Febem. Dava entrevistas a jornais e a
programas de televisão.
Virou garoto-símbolo da Febem quando, depois de concluir o
ensino médio na própria instituição, passou no vestibular de direito e ganhou uma bolsa de estudos
da Unip. Já livre, foi convidado
por Henrique Flory, diretor-geral
da editora Arte & Ciência e então
diretor da universidade, a transformar sua história em livro.
Mas, um ano após a Bienal, o
mundo de Evangelista desmoronou. No último dia 12, ele voltou
para a prisão, agora em uma cadeia para adultos. Ele virou réu
em um processo criminal que
apura latrocínio (roubo com a
morte da vítima) e coação de testemunha. Antes disso, já tinha
perdido a bolsa na Unip.
Os crimes atribuídos a ele ocorreram no ano passado, em sua cidade natal, Borborema (384 km
de SP), município com apenas
13.903 moradores. Na época,
Evangelista já era maior de idade.
Um jovem de 16 anos apareceu
morto em um matagal. Ele o teria
assassinado para roubar sua pistola -que nunca foi encontrada.
A investigação prosseguiu e,
neste mês, a polícia local encerrou
o inquérito, indiciou cinco jovens
e pediu a prisão deles. Mas só
Evangelista foi denunciado pela
Promotoria e teve a prisão preventiva (até o julgamento) decretada pela Justiça de Borborema.
No dia 12, foi encontrado com a
mulher e o filho de um ano e quatro meses na casa de amigos na
Grande SP, onde passou a morar
há dois meses para continuar as
palestras e divulgar o livro. Preso
no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Franco da Rocha, ele
afirmou à Folha, na quarta-feira,
ser vítima de uma "armação".
Declínio
O ex-interno da Febem diz que
os responsáveis por seu declínio
são os personagens do livro, que
não teriam gostado de ter seus nomes citados. A polícia nega. No livro, o ex-interno cita os primeiros
nomes de comparsas, policiais e
funcionários da Febem. Um dos
citados é o delegado de Borborema, Ricardo Farah, responsável
pela investigação que acabou na
prisão de Evangelista por latrocínio.
Evangelista também se diz
abandonado e afirma que foi usado. A editora informa que ele foi
jubilado do curso de direito -ficou três anos mas não tinha cumprido nem os créditos do primeiro- e recusou a orientação psicológica oferecida a ele.
Evangelista é acusado por um
jovem, menor de idade, de ter feito os disparos contra a vítima, em
abril do ano passado, dias antes
de o ex-interno ter tirado a foto
com o presidente. O crime teria
ocorrido em uma área de mata, e
a vítima, atraída para uma cilada:
teriam afirmado que queriam
comprar sua pistola, furtada de
um morador da cidade. O objetivo, segundo a polícia, era roubar a
arma do menor, que levou um tiro no peito com a pistola que pretendia vender.
Segundo Evangelista, a testemunha-chave que o incrimina é
ligada a Pedrinho, seu antigo
comparsa de roubos, que não teria gostado do livro. Em fevereiro
deste ano, o ex-interno levou quatro tiros em uma esquina de Borborema e ficou 31 dias no hospital. Pedrinho foi preso por tentativa de homicídio. Segundo Evangelista, ele teria tentado se vingar
porque foi citado no livro como
covarde -o teria deixado para
trás durante um roubo.
Próximo Texto: O livro Índice
|