São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Rapaz que ganhou bolsa de estudos em universidade e escreveu livro está preso, acusado de latrocínio

Exemplo de sucesso da Febem está na cadeia

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Algemado e com o uniforme surrado de presidiário, o ex-interno da Febem Cleonder Santos Evangelista, 20, em quase nada lembrava, na última quarta-feira, o jovem de terno e gravata fotografado ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), e da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT).
Em abril do ano passado, durante a Bienal do Livro, em São Paulo, Evangelista posou ao lado de autoridades no lançamento de seu livro "Luz no Fim do Túnel: a História de Sucesso de um Ex-interno da Febem", da editora Arte & Ciência, que teve apoio da Secretaria Estadual da Educação -a orelha é assinada pelo secretário Gabriel Chalita- e da Unip (Universidade Paulista).
Livre desde 2003, depois de duas internações por tráfico de drogas, roubo e tentativa de homicídio, Evangelista tornou-se escritor, palestrante e estudante de direito e era proclamado pelo governo paulista como exemplo de recuperação promovida pela Febem. Dava entrevistas a jornais e a programas de televisão.
Virou garoto-símbolo da Febem quando, depois de concluir o ensino médio na própria instituição, passou no vestibular de direito e ganhou uma bolsa de estudos da Unip. Já livre, foi convidado por Henrique Flory, diretor-geral da editora Arte & Ciência e então diretor da universidade, a transformar sua história em livro.
Mas, um ano após a Bienal, o mundo de Evangelista desmoronou. No último dia 12, ele voltou para a prisão, agora em uma cadeia para adultos. Ele virou réu em um processo criminal que apura latrocínio (roubo com a morte da vítima) e coação de testemunha. Antes disso, já tinha perdido a bolsa na Unip.
Os crimes atribuídos a ele ocorreram no ano passado, em sua cidade natal, Borborema (384 km de SP), município com apenas 13.903 moradores. Na época, Evangelista já era maior de idade. Um jovem de 16 anos apareceu morto em um matagal. Ele o teria assassinado para roubar sua pistola -que nunca foi encontrada.
A investigação prosseguiu e, neste mês, a polícia local encerrou o inquérito, indiciou cinco jovens e pediu a prisão deles. Mas só Evangelista foi denunciado pela Promotoria e teve a prisão preventiva (até o julgamento) decretada pela Justiça de Borborema.
No dia 12, foi encontrado com a mulher e o filho de um ano e quatro meses na casa de amigos na Grande SP, onde passou a morar há dois meses para continuar as palestras e divulgar o livro. Preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Franco da Rocha, ele afirmou à Folha, na quarta-feira, ser vítima de uma "armação".

Declínio
O ex-interno da Febem diz que os responsáveis por seu declínio são os personagens do livro, que não teriam gostado de ter seus nomes citados. A polícia nega. No livro, o ex-interno cita os primeiros nomes de comparsas, policiais e funcionários da Febem. Um dos citados é o delegado de Borborema, Ricardo Farah, responsável pela investigação que acabou na prisão de Evangelista por latrocínio.
Evangelista também se diz abandonado e afirma que foi usado. A editora informa que ele foi jubilado do curso de direito -ficou três anos mas não tinha cumprido nem os créditos do primeiro- e recusou a orientação psicológica oferecida a ele.
Evangelista é acusado por um jovem, menor de idade, de ter feito os disparos contra a vítima, em abril do ano passado, dias antes de o ex-interno ter tirado a foto com o presidente. O crime teria ocorrido em uma área de mata, e a vítima, atraída para uma cilada: teriam afirmado que queriam comprar sua pistola, furtada de um morador da cidade. O objetivo, segundo a polícia, era roubar a arma do menor, que levou um tiro no peito com a pistola que pretendia vender.
Segundo Evangelista, a testemunha-chave que o incrimina é ligada a Pedrinho, seu antigo comparsa de roubos, que não teria gostado do livro. Em fevereiro deste ano, o ex-interno levou quatro tiros em uma esquina de Borborema e ficou 31 dias no hospital. Pedrinho foi preso por tentativa de homicídio. Segundo Evangelista, ele teria tentado se vingar porque foi citado no livro como covarde -o teria deixado para trás durante um roubo.

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