São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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Delegado afirma que jovem nunca se regenerou

DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado de Borborema, Ricardo Farah, citado várias vezes no livro "Luz no Fim do Túnel: a História de Sucesso de um Ex-Interno da Febem", foi o responsável pela investigação que acabou na prisão de Cleonder Santos Evangelista por latrocínio.
O ex-interno descreveu cenas na adolescência em que teria sido agredido pelo delegado. O jovem também disse que, em uma das situações narradas no livro, ameaçou a mulher do delegado durante uma fuga, o que teria alimentado a perseguição por parte de Farah. O delegado nega e afirma que Evangelista, na realidade, nunca se regenerou e que o livro não passa de "ficção".
"Tanto na parte da ação criminosa [descrita no livro] quanto na parte da recuperação, foi tudo uma ficção", afirma o delegado. Ele nega que o ex-interno tenha sido vítima de uma armação montada por pessoas descontentes por terem sido citadas no livro. "Eu torci por ele, a cidade torceu por ele, mas até um determinado momento. Eu relutei muito em acreditar nessa história [do envolvimento de Evangelista no latrocínio]. A cobrança é enorme na cidade, todo mundo sabe que ele matou, a cidade sabe do envolvimento dele em roubos e o cara está na rua. Mas enquanto eu não tive a convicção de que ele estava envolvido, não o indiciei", disse o delegado.
Ele afirma que não leu o livro, mas assistiu à entrevista de Evangelista no programa "Jô Soares", no qual foi citado pelo ex-interno. Nega, porém, qualquer motivação pessoal. "As provas foram suficientes para que a promotora o denunciasse e a juíza decretasse a sua prisão."
Para o delegado, Evangelista exagerou ao descrever suas prisões. "Pode filtrar tudo isso. Os dez carros de polícia que ele falou que o cercaram, na verdade, era o delegado e dois PMs. A mata fechada por onde ele diz que correu em uma perseguição de quatro quilômetros, você põe aí 40 metros de pasto aberto. Chega a ser hilário. Realmente, uma ficção."
O delegado diz que Evangelista negou estar na cidade no dia do crime, mas ele afirma que bilhetes conseguidos em um empresa de viagem provam que ele foi embora à tarde, horas depois do sumiço do garoto assassinado. Farah diz que procurou a editora, a Unip (Universidade Paulista) e até a organização da Bienal do Livro para confirmar o álibi do ex-interno.
Além do latrocínio, o delegado ainda investiga o suposto envolvimento do ex-interno em um roubo a um posto de gasolina e na indução ao suicídio, por ameaças, de um outro jovem. Mas, nesses dois casos, Evangelista ainda não foi indiciado.
"Ele teve todas as chances e não soube aproveitar. Eu atribuo isso ao problema com as drogas. Não tenho isso formalmente, não tenho isso em depoimento, só em conversa informal, mas se você conversasse com as pessoas que o acompanhavam durante as palestras, essas pessoas percebiam que ele continuava fazendo uso. Até se suspeitou que, no dia em que ele tirou a foto ao lado do governador, ele pudesse estar sob efeito de drogas, segundo pessoas que o acompanhavam."

Editora
Segundo Henrique Flory, diretor-geral da editora Arte & Ciência e diretor da Unip na época em que a bolsa de estudo foi concedida, Evangelista teve uma recaída em relação ao uso de drogas, mas não seguiu a orientação de fazer tratamento especializado, preferindo voltar para Borborema.
Foi Flory que convidou Evangelista a contar as suas experiências em um livro com a ajuda de um ghost writer (um escritor que não aparece). Segundo ele, foram vendidos menos de 2.000 exemplares em livrarias e outros 10.000, doados para a Secretaria de Estado da Educação, que os distribuiu nas escolas. Também foi oferecido ao ex-interno uma vaga de assistente de diagramação na editora, mas ele desistiu, afirma Flory.
"Quem lida com a questão de recuperação de viciados e imagina que só pela sua boa vontade a pessoa vai se recuperar não deveria nem começar. Quem lida com isso sabe que recaídas existem. Eu sempre colocava para ele: quando você estiver preparado, as portas estarão abertas."
Segundo ele, a possível frustração não anula a proposta de ressocialização. "A gente deve aprender com os tropeços e continuar estendendo a mão. Se você falar para uma pessoa que, depois de uma recaída, não haverá outra chance, você a está empurrando para a única alternativa que lhe resta, que é o mundo do crime e das drogas. Esse raciocínio leva à intolerância total", afirma.
A Folha procurou o secretário estadual Gabriel Chalita anteontem para falar sobre o caso. Segundo sua assessoria, ele não poderia atender a reportagem por falta de tempo. (GP)

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