São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Curso jurídico desperta dúvidas profissionais

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

H á grande preocupação nas entidades de advogados com a baixa qualidade de muitos recém-formados, porque eles contribuem para o desprestígio da classe, ao ameaçarem o destino do patrimônio e da liberdade de clientes entregues aos seus cuidados. É também o motivo pelo qual se preocupam com propostas defendidas pelo MEC ou efeitos delas decorrentes para a carga horária, a duração dos cursos e os currículos jurídicos das faculdades.
A posição dos órgãos ministeriais defende o mesmo estágio curricular supervisionado para longa série heterogênea de carreiras, que vão das ciências econômicas à dança e do direito ao design. Corresponderia à "atividade obrigatória, mas diversificada, tendo em vista a consolidação prévia dos desempenhos profissionais desejados, segundo as peculiaridades de cada curso de graduação". A palavras elegantes, a OAB contrapõe a desconfiança séria de que, por trás disso, haja a intenção de enfraquecer medidas saneadoras, como a que extinguiu o antigo exame de estágio. Este era porta aberta para que todos se qualificassem para a advocacia, bem ou malformados, e a posição do MEC, na visão respeitável da entidade, é cunha contra o Exame de Ordem, muito mais seletivo.
A intenção surge mais transparente quando o MEC atribui ao estágio "caráter implementador de desempenhos profissionais antes mesmo de considerar concluído o curso". Propõe, à proporção que os resultados do estágio forem sendo avaliados, que o estagiário "reconheça a necessidade da retificação da aprendizagem". A atribuição desse reconhecimento do próprio aluno -sequioso por receber o diploma- ou de sua escola nega a realidade universitária brasileira.
É bem verdade que os objetivos oficiais tratam de atividades complementares para a avaliação de habilidades e as competências do aluno, inclusive as adquiridas fora do ambiente escolar. Merece atenção o fato de as atividades complementares poderem -sem caráter obrigatório- incluir projetos de pesquisa, monitoria, iniciação científica, projetos de extensão, módulos temáticos e outros ainda que esses conteúdos não estejam previstos no currículo pleno, o que será muito bom, quando bem implementado.
Em matéria de acompanhamento e avaliação, o ensino adotará, segundo o ministério, formas específicas e alternativas, para que sejam "direcionados à garantia da qualidade do curso ...". Infelizmente, são palavras belas, mas ocas. A consolidação do perfil desejado do formando nos últimos 40 anos, com a industrialização do ensino e a desqualificação docente, evidenciam a pouca credibilidade desses objetivos.
Há um lado positivo na defesa da produção intelectual das universidades como "indicador para o acompanhamento e avaliação da instituição". A monografia ou o trabalho de conclusão de curso também constituirão bom avanço se não reforçarem a idéia da retomada do estágio antigo como condição para o exercício profissional, "sendo concebidos como um conteúdo curricular ora opcional, ora obrigatório".
A prática do balanceamento entre independência universitária e fiscalização pública será conferida depois de anos de aplicação, quando suas qualidades -e seus defeitos- já tiverem interferido seriamente no ensino superior. Daí a boa cautela da OAB ao fazer suas críticas antes que seja tarde.



Texto Anterior: Tarifas da Dersa ficarão iguais
Próximo Texto: Recapeamento bloqueia faixas da Bandeirantes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.