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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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EDUCAÇÃO INFANTIL

Repasse de verba para mulheres cuidarem de seus filhos fora de creches é vista como um retrocesso

Especialistas criticam "bolsas para mães"

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A proposta do ministro Cristovam Buarque (Educação) de criar um programa de bolsas para mães cuidarem de seus filhos de até três anos de idade fora de creches está sendo criticada por especialistas em educação infantil.
A Bolsa Primeira Infância, que está prevista para ser implementada em 2004, deve repassar R$ 50 para que as mães de baixa renda cuidem de suas crianças ou contratem alguém para isso. Em contrapartida, a mãe terá de participar de cursos de alfabetização ou sobre como cuidar das crianças.
A principal crítica é que a proposta, de menor custo para o poder público, poderia inibir a expansão das vagas em creches e ofereceria às crianças pobres de zero a três anos uma educação de pior qualidade. Hoje, segundo o Censo 2000 do IBGE, apenas 10,6% das crianças de zero a três anos estão na escola.
"O MEC quer adotar a menina dos olhos do Banco Mundial para a educação infantil dos pobres nos países pobres: educar as mães em vez de ampliar vagas em creches. Tal proposta visa reduzir ainda mais o custo por criança na educação infantil, nível educacional que recebe o menor investimento público", afirma a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas Fúlvia Rosemberg.

Assistência
Para Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (que envolve mais de cem entidades educacionais do terceiro setor), a proposta, "da forma como foi apresentada, confunde a lógica da assistência social com a lógica educacional". A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1996, afirma que o atendimento em creche deve ter caráter educacional, e não de assistência social.
"Todo nosso esforço é para que se pense a educação infantil como política educacional. Além disso, a proposta foi também apresentada como se fosse o programa de educação infantil do MEC no Plano Plurianual. Isso seria um retrocesso em relação à busca da universalização da educação infantil", diz Carreira.
Rosemberg e Carreira atentam para outro risco: reforçar as desigualdades de gênero. "A proposta reafirma que é papel só das mães cuidar dos filhos", diz Carreira.
Para Vital Didonet, consultor em educação infantil e ex-presidente da Omep (Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar), o MEC acerta ao chamar a atenção para a importância da família na educação. Ele teme, porém, que essa valorização do papel da família acabe substituindo o direito da criança de receber um atendimento educacional adequado em creches e pré-escolas.
"Não me oponho a uma ação de apoio à família, mas o MEC não pode fazer disso um álibi para a sua responsabilidade de ajudar os municípios a promover uma educação infantil de qualidade, com profissionais da educação que trabalhem com base em uma proposta pedagógica. Há o risco de passarmos a impressão de que estaríamos resolvendo o problema do acesso à creche", diz Didonet.
A porcentagem de crianças atendidas em creches que não estão vinculadas ao sistema de ensino já é grande hoje. O Censo 2000 do IBGE, que pesquisa as famílias, indica que havia 1,5 milhão de crianças de zero a três anos estudando em 2000.
No entanto, para o Censo Escolar do MEC, que faz a pesquisa com as escolas e governos, havia apenas 738 mil crianças nessa faixa de idade matriculadas no mesmo ano. A diferença, de 789 mil crianças (ou 52% do total), está sendo atendida em creches clandestinas ou por mães crecheiras, sem controle do poder público.


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