São Paulo, sábado, 29 de julho de 2000


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VIOLÊNCIA
Participante de cooperativa de transporte alternativo no Rio desrespeitou ordem de não circular após as 20h
Traficantes queimam motorista em morro

SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

Um motorista de uma Kombi que transportava passageiros na zona norte do Rio foi queimado por traficantes, durante a madrugada de ontem, por ter desrespeitado uma ordem do tráfico que proibia a circulação de veículos após as 20h.
Antônio Ferreira de Lima, 34, estava numa das ruas do morro do Adeus, em Ramos, onde desceriam alguns dos passageiros que transportava, por volta das 2h. Apesar de ser morador do morro, ele foi cercado por um grupo de cerca de 15 traficantes.
Os homens retiraram as pessoas da Kombi, mas não permitiram que o motorista saísse do veículo. De acordo com testemunhas, os traficantes espancaram Lima, trancaram as portas e jogaram gasolina no automóvel. Em seguida, atearam fogo ao veículo e ficaram assistindo ao incêndio. Os dez passageiros nada puderam fazer.
Os traficantes, percebendo que o automóvel iria explodir, se afastaram. Nesse momento, o motorista conseguiu saltar do veículo, já com o corpo em chamas.
Um outro motorista da Cooper Room, cooperativa para a qual Lima trabalha, estava próximo ao local e o levou para o hospital Getúlio Vargas, na Penha, zona norte do Rio. Segundo o hospital, ele teve 70% do corpo queimado.
No fim da manhã de ontem, o paciente foi transferido para o CTI (Centro de Terapia Intensiva) do hospital Memorial, em Engenho de Dentro (zona norte). Segundo os médicos, ele sofreu queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus e seu estado é grave. Lima é casado há dez anos e tem um filho de 9.
O irmão de Lima, Adenildo Ferreira de Lima, 30, fundador da cooperativa, afirmou que vem sofrendo ameaças dos traficantes há pelo menos dois anos.
Nos últimos meses, os líderes do tráfico no local -comandado pela facção criminosa ADA (Amigos dos Amigos)- lançaram duas bombas caseiras contra as Kombis que fazem o transporte de passageiros entre os bairros de Inhaúma e Bonsucesso (ambos na zona norte). No trajeto, essas Kombis passam na entrada do morro do Adeus.
"Há dois anos, uma motorista da nossa cooperativa foi sequestrada e morta pelos traficantes do morro", contou Adenildo. Ele disse, entretanto, que não interromperá o trabalho, mas mudará o trajeto das Kombis.
No início da manhã de ontem, cerca de 90 policiais do 22º batalhão, do Getam (Grupamento Tático Móvel) e do Bope (Batalhão de Operações Especiais) ocuparam a favela. A polícia apreendeu duas pistolas e uma pequena quantidade de cocaína. Ninguém foi preso.
No morro, onde o comércio de drogas é liderado pelo traficante conhecido apenas como Wanderlei -cunhado de Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, preso em Bangu 1 e fundador da ADA-, as ruas ficaram vazias ontem.
Os poucos moradores que cruzavam as ruas se recusavam a falar com a imprensa e diziam desconhecer o ocorrido. O único representante da associação de moradores presente também afirmou nada saber sobre o assunto.
O presidente do movimento Viva Rio, Rubem César Fernandes, disse que "essa área é uma em que o Estado menos investe". "É preciso uma resposta clara e sensata para não multiplicar o círculo da brutalidade. Isso parece puro pesadelo, sem limite de lei e do bom senso", acrescentou.
Procurado pela Folha, o secretário estadual da Segurança, Josias Quintal, não quis comentar o assunto.


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