São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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LIXO

Prefeitura de SP despreza recomendação para anular concorrência, alvo de denúncia; valor sofre redução, mas segue acima do edital

Grupos dão desconto após "vencer" licitação

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de ser colocada sob suspeita e de ser temporariamente suspensa pela Justiça, a licitação da coleta do lixo em São Paulo teve ontem sua continuidade pela administração Marta Suplicy (PT), que contrariou recomendação do Ministério Público Estadual e publicou a classificação, em primeiro lugar, dos dois consórcios que farão esse serviço na cidade inteira durante 20 anos, em contratos de R$ 9,98 bilhões.
A publicação trouxe uma novidade nos valores envolvidos: mesmo após a abertura dos envelopes, que os apontavam como futuros vencedores, os consórcios São Paulo Limpeza Urbana, liderado pela Vega, e Bandeirantes 2, liderado pela Queiroz Galvão, decidiram dar um desconto de R$ 354 milhões nos preços que haviam apresentado na licitação.
Elas dizem, pela assessoria de imprensa, que resolveram abrir mão dessa quantia, mesmo depois da divulgação de que tinham os menores preços na concorrência, para atender a uma solicitação da prefeitura -e que se trata de um procedimento comum.
O secretário de Serviços e Obras, Osvaldo Misso, afirma que os técnicos chegaram à conclusão de que "alguns itens estavam com os preços fora de padrão". Ele diz que a pasta já obteve descontos em outras contratações.
As mudanças acontecem depois de denúncias registradas em cartório -uma delas, em abril, pela Folha- sobre um suposto acordo prévio entre todos os participantes, incluindo compensações aos perdedores, e de contestações aos valores apresentados, que ficavam 14,8% -R$ 1,33 bilhão- acima da previsão do edital.
Mesmo com esse desconto de R$ 354 milhões, que atingiu 2,25% (R$ 111 milhões) na área noroeste e 4,51% (R$ 243 milhões) na sudeste, os valores totais permanecem 10,89% superiores às estimativas publicadas.
O secretário Misso afirmou ontem que essa diferença de preços foi motivada principalmente porque técnicos da prefeitura não incluíram despesas indiretas, como impostos, no valor do edital.
Advogados apontam que esse problema pode pôr a concorrência em xeque. "É um erro gravíssimo", afirmou Paulo Boselli. "Edital que tem equívoco tem de ser cancelado", disse Fernando Passos, presidente da comissão de concorrência e regulação econômica da Ordem dos Advogados do Brasil, que está concluindo um relatório sobre a licitação.
"Estou convencido de que há aspectos que ferem a concorrência", afirmou Passos, ressaltando que essa é uma avaliação pessoal.
O desconto dado após a abertura do envelope é controverso. Misso diz que ele se sustenta no artigo 43 da lei 8.666. Boselli admite que há entendimentos diferentes, mas defende a idéia de que "os preços não estão sujeitos a alteração". "Se não era a melhor proposta possível, significa que ele exorbitou, tentou lesar a administração", afirmou.
Fernando Passos, da OAB, diz que, em tese, esse desconto pode ocorrer caso a prefeitura tenha avaliado que os valores anteriores não eram de seu interesse.

Recomendação
O promotor Túlio Tavares, que investiga a licitação, havia enviado uma recomendação à prefeitura para anular a licitação do lixo por conta da condenação das empresas Cavo e Vega -integrantes do consórcio São Paulo Limpeza Urbana- por improbidade administrativa há cinco anos.
Ele afirma que a investigação sobre as denúncias de combinação de resultados está em andamento (sem que tenha coletado novos indícios) e deve durar ao menos mais seis meses, quando também deve haver julgamento do mérito da ação popular de um consultor que fez essas acusações.
Essa ação chegou a motivar a proibição da continuidade da licitação, que a prefeitura conseguiu suspender no começo de junho.
"Os servidores que decidiram continuar esse processo poderão ser responsabilizados no futuro", disse Tavares.


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