São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASSARELA DO CHÁ

A 18ª Casa de Criadores misturou desfiles, música e arte sob o viaduto do Chá; evento atraiu 2.000 pessoas

Centro vira babel fashion em tarde de moda

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA

Sol de rachar, um casal de irlandeses com protetor solar numa mão e o guia "Lonely Planet", a "bíblia" sagrada dos mochileiros do mundo inteiro, na outra, perguntava atônito: "O que está acontecendo?" Nem precisava cruzar o Atlântico para tanto espanto. Até mesmo entre os paulistanos a sensação era de admiração. O vale do Anhangabaú, no centro histórico de São Paulo, se transformou ontem à tarde numa espécie de babel fashion.
Além de estrangeiros, havia popozudas, jogadores de basquete, modernos, desempregados, gays, "barbies" (musculosos), mendigos, skatistas, donas-de-casa, cybermanos, hippies, gente de cabelão black power, estilistas, modelos, manos, empresários e curiosos. Um retrato bem diversificado e colorido da cidade.
Tal feito se deve à moda. A 18ª edição da Casa de Criadores, verão 2006, reuniu jovens estilistas em meio a desfiles, música, dança e arte em três lugares simultâneos sob o viaduto do Chá. A escadaria da galeria Prestes Maia (Masp Centro), que deve virar um espaço dedicado à moda até o final do ano, foi transformada em passarela. Dentro do Museu do Teatro Municipal, a música eletrônica regia os passos das modelos.
Mas o inusitado mesmo aconteceu no vale do Anhangabaú com o projeto Lab, espaço de experimentação de novos talentos, no qual seis estilistas ocuparam diferentes áreas do parque.
Ao redor do chafariz, sete modelos se protegiam do sol com sombrinhas coloridas, sentadas em diferentes cantos, com ar de desdém, numa criação do estilista Ivã Ribeiro.
A menos de dez passos dali, Patrícia Gerber e Flamínio Jallageas costuravam carne sobre tecido, diante de olhares enojados do público. Um dos corrimãos de cimento das escadarias de acesso do Teatro Municipal ao Anhangabaú virou palco concorridíssimo para o desfile de Marta Pires.
"Que gente diferente. Nunca vi tantas meninas bonitas na minha vida. Parece coisa de televisão", opinava o morador de rua Carlos Luiz de Oliveira, 46. "Esse lugar ficou muito bonito hoje. Precisa ter coisas assim sempre", dizia.
Ontem foi a primeira vez que o evento esteve aberto ao público. Cerca de 2.000 pessoas acompanharam os desfiles, segundo estimativas da Guarda Civil Metropolitana. De acordo com os organizadores, o número pode ter chegado a 2.500.
"Hoje [ontem], estamos plantando uma sementinha num espaço público. As pessoas em São Paulo são tão carentes de lazer. E aqui conseguimos reunir tudo, moda, cultura, lazer, para todos. Sem contar o lado comercial, a vitrina que é para esses novos talentos", disse André Hidalgo, 38, diretor artístico do evento.
Vale lembrar que a Casa de Criadores lançou e projetou nomes como Ronaldo Fraga, Jum Nakao, Mário Queiroz, Cavalera e Marcelo Sommer, entre outros famosos que hoje acolhem aplausos na São Paulo Fashion Week.
Ontem também foi a estréia de 11 adolescentes, entre 16 e 24 anos, de bairros carentes da cidade, que aproveitaram a ocasião para apresentar a conclusão de curso de moda da Oficina de Criação, projeto social de capacitação profissional, coordenado pela estilista Karlla Girotto. "Foram 11 meses de trabalho. Agora é a chance de eles experimentarem uma relação didática com o público, de interagirem com as mais diversas opiniões", acreditava Girotto.
Domingo ainda foi dia de desfiles da marca Gêmeas, que participa do evento pela sétima vez e vende até para o Japão. As irmãs Carolina e Isadora Foes Krieger montaram coleção com estampas e jeans. "Moda não tem mais essa coisa de elitista. Quanto mais gente conhecer o trabalho melhor", disse Carolina. A 18ª Casa de Criadores encerrou ontem com o desfile da We're, de Marcelo Barbosa, inspirado em uniformes.
Com custo estimado em R$ 1,8 milhão, a edição verão 2006 realiza entre hoje e quarta cerca de 15 desfiles, exclusivos para convidados. Estado e prefeitura cederam os espaços para o evento, que faz parte dos projetos de revitalização do centro da cidade.

Flores e poses
Ninguém entendia ao certo o que faziam cinco modelos estáticas com um pequeno vaso, apoiado numa haste, em cima da cabeça. A cada instante, uma outra modelo passava regando um por um. De frente para elas, o estilista Deoclys Bezerra, todo de preto, olhos vedados, plantado numa cadeira forrada de flores e galhos, em silêncio. "Como não posso vê-las, essas rosas são nosso elo. Apesar de parecer melancólico, representa a vida", explicava Bezerra, outro participante do projeto Lab, enquanto sua voz era abafada por uma bandinha da terceira idade.
"Pensei que a cadeira dele representasse um caixão. Tem algo fúnebre na decoração, não tem?", perguntava, curiosa, a dona-de-casa Ercília Bergamo, 47.
"Estamos em São Paulo. Dos mais pobres aos mais ricos, todos estão tendo acesso à informação. É a democratização da moda", teorizava a estilista Hayde Barreiros, 27. Para o produtor e maquiador Cesar Cortinove, 29, o melhor da Casa de Criadores é justamente poder juntar as mais variadas tribos urbanas num único espaço. "Isto é atitude. Isto é moda."
A cara do novo milênio, acredita a empresária e consultora de moda Costanza Pascolato, é justamente a pulverização e a multiplicação de grupos. "Como está ocorrendo aqui no Anhangabaú. O último modelo de unanimidade foi Madonna", brincava Pascolato, de óculos escuros e, apesar do calor torrencial, elegantérrima, num casacão preto.
Ao seu lado, o estilista Walter Rodrigues criticava o nariz empinado "de gente que menospreza o centro". "Aqui é lindo. É histórico. Em qualquer cidade civilizada do mundo, o centro passou por um processo de revitalização. Esse espaço deve ser ocupado por todo tipo de manifestação cultural. Temos de parar com esse fingimento de achar chique só o que vem da região dos Jardins."

Texto Anterior: Advocacia: OAB realiza 1º exame unificado no país
Próximo Texto: Inspiração vem de pista de dança
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.