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PASSARELA DO CHÁ
A 18ª Casa de Criadores misturou desfiles, música e arte sob o viaduto do Chá; evento atraiu 2.000 pessoas
Centro vira babel fashion em tarde de moda
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA
Sol de rachar, um casal de irlandeses com protetor solar numa
mão e o guia "Lonely Planet", a
"bíblia" sagrada dos mochileiros
do mundo inteiro, na outra, perguntava atônito: "O que está
acontecendo?" Nem precisava
cruzar o Atlântico para tanto espanto. Até mesmo entre os paulistanos a sensação era de admiração. O vale do Anhangabaú, no
centro histórico de São Paulo, se
transformou ontem à tarde numa
espécie de babel fashion.
Além de estrangeiros, havia popozudas, jogadores de basquete,
modernos, desempregados, gays,
"barbies" (musculosos), mendigos, skatistas, donas-de-casa,
cybermanos, hippies, gente de cabelão black power, estilistas, modelos, manos, empresários e curiosos. Um retrato bem diversificado e colorido da cidade.
Tal feito se deve à moda. A 18ª
edição da Casa de Criadores, verão 2006, reuniu jovens estilistas
em meio a desfiles, música, dança
e arte em três lugares simultâneos
sob o viaduto do Chá. A escadaria
da galeria Prestes Maia (Masp
Centro), que deve virar um espaço dedicado à moda até o final do
ano, foi transformada em passarela. Dentro do Museu do Teatro
Municipal, a música eletrônica regia os passos das modelos.
Mas o inusitado mesmo aconteceu no vale do Anhangabaú com
o projeto Lab, espaço de experimentação de novos talentos, no
qual seis estilistas ocuparam diferentes áreas do parque.
Ao redor do chafariz, sete modelos se protegiam do sol com
sombrinhas coloridas, sentadas
em diferentes cantos, com ar de
desdém, numa criação do estilista
Ivã Ribeiro.
A menos de dez passos dali, Patrícia Gerber e Flamínio Jallageas
costuravam carne sobre tecido,
diante de olhares enojados do público. Um dos corrimãos de cimento das escadarias de acesso
do Teatro Municipal ao Anhangabaú virou palco concorridíssimo
para o desfile de Marta Pires.
"Que gente diferente. Nunca vi
tantas meninas bonitas na minha
vida. Parece coisa de televisão",
opinava o morador de rua Carlos
Luiz de Oliveira, 46. "Esse lugar ficou muito bonito hoje. Precisa ter
coisas assim sempre", dizia.
Ontem foi a primeira vez que o
evento esteve aberto ao público.
Cerca de 2.000 pessoas acompanharam os desfiles, segundo estimativas da Guarda Civil Metropolitana. De acordo com os organizadores, o número pode ter
chegado a 2.500.
"Hoje [ontem], estamos plantando uma sementinha num espaço público. As pessoas em São
Paulo são tão carentes de lazer. E
aqui conseguimos reunir tudo,
moda, cultura, lazer, para todos.
Sem contar o lado comercial, a vitrina que é para esses novos talentos", disse André Hidalgo, 38, diretor artístico do evento.
Vale lembrar que a Casa de
Criadores lançou e projetou nomes como Ronaldo Fraga, Jum
Nakao, Mário Queiroz, Cavalera e
Marcelo Sommer, entre outros famosos que hoje acolhem aplausos
na São Paulo Fashion Week.
Ontem também foi a estréia de
11 adolescentes, entre 16 e 24 anos,
de bairros carentes da cidade, que
aproveitaram a ocasião para apresentar a conclusão de curso de
moda da Oficina de Criação, projeto social de capacitação profissional, coordenado pela estilista
Karlla Girotto. "Foram 11 meses
de trabalho. Agora é a chance de
eles experimentarem uma relação
didática com o público, de interagirem com as mais diversas opiniões", acreditava Girotto.
Domingo ainda foi dia de desfiles da marca Gêmeas, que participa do evento pela sétima vez e
vende até para o Japão. As irmãs
Carolina e Isadora Foes Krieger
montaram coleção com estampas
e jeans. "Moda não tem mais essa
coisa de elitista. Quanto mais gente conhecer o trabalho melhor",
disse Carolina. A 18ª Casa de Criadores encerrou ontem com o desfile da We're, de Marcelo Barbosa,
inspirado em uniformes.
Com custo estimado em R$ 1,8
milhão, a edição verão 2006 realiza entre hoje e quarta cerca de 15
desfiles, exclusivos para convidados. Estado e prefeitura cederam
os espaços para o evento, que faz
parte dos projetos de revitalização
do centro da cidade.
Flores e poses
Ninguém entendia ao certo o
que faziam cinco modelos estáticas com um pequeno vaso, apoiado numa haste, em cima da cabeça. A cada instante, uma outra
modelo passava regando um por
um. De frente para elas, o estilista
Deoclys Bezerra, todo de preto,
olhos vedados, plantado numa
cadeira forrada de flores e galhos,
em silêncio. "Como não posso vê-las, essas rosas são nosso elo. Apesar de parecer melancólico, representa a vida", explicava Bezerra,
outro participante do projeto Lab,
enquanto sua voz era abafada por
uma bandinha da terceira idade.
"Pensei que a cadeira dele representasse um caixão. Tem algo
fúnebre na decoração, não tem?",
perguntava, curiosa, a dona-de-casa Ercília Bergamo, 47.
"Estamos em São Paulo. Dos
mais pobres aos mais ricos, todos
estão tendo acesso à informação.
É a democratização da moda",
teorizava a estilista Hayde Barreiros, 27. Para o produtor e maquiador Cesar Cortinove, 29, o melhor
da Casa de Criadores é justamente poder juntar as mais variadas
tribos urbanas num único espaço.
"Isto é atitude. Isto é moda."
A cara do novo milênio, acredita a empresária e consultora de
moda Costanza Pascolato, é justamente a pulverização e a multiplicação de grupos. "Como está
ocorrendo aqui no Anhangabaú.
O último modelo de unanimidade foi Madonna", brincava Pascolato, de óculos escuros e, apesar
do calor torrencial, elegantérrima,
num casacão preto.
Ao seu lado, o estilista Walter
Rodrigues criticava o nariz empinado "de gente que menospreza o
centro". "Aqui é lindo. É histórico. Em qualquer cidade civilizada
do mundo, o centro passou por
um processo de revitalização. Esse espaço deve ser ocupado por
todo tipo de manifestação cultural. Temos de parar com esse fingimento de achar chique só o que vem da região dos Jardins."
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