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URBANIDADE
Periferia tem concerto
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
O temor das notas fez
um grupo de violinistas
inspirar a criação de uma orquestra.
Decididos a aprender a tocar
violino, adolescentes da periferia
matriculados na Universidade
Livre de Música, rebatizada de
Centro de Estudos Musicais Tom
Jobim, viviam atormentados
com as notas baixas. Um dos
professores, Ênio Antunes, violinista da Orquestra Municipal de
São Paulo, resolveu reunir, em
seu horário de folga, alguns deles
para exercícios de reforço.
Não fazia muito tempo que
Ênio também sentira a dor de
uma frustração por causa de
uma nota. Nascido em Belo Horizonte, filho de pai músico, ele
tocava na orquestra da Universidade Federal da Bahia quando
estava prestes a dar o maior salto de sua vida: fora aceito para
estudar na Universidade de Yale, uma das melhores escolas de
música do mundo. Matrícula já
feita, não conseguiu ajuda para
pagar o curso só porque as notas
de inglês não foram boas. Isso o
impediu de ganhar a bolsa do
governo brasileiro. "Fiquei meses com aquele ressentimento."
Frustrado, soube que estavam
fazendo concurso na Orquestra
Sinfônica Municipal de São Paulo, resolveu mudar de ares e deixou Salvador. Para completar o
orçamento, dava aula particular
e ensinava na Tom Jobim, instituição ligada ao governo estadual. Deparou-se com a dificuldade de alguns dos alunos, que,
apesar de esforçados, estavam
ameaçados de reprovação. "Todo professor gosta de ajudar alunos que desejam ser ajudados."
Como os encontros passaram a
ser regulares, tiveram a idéia, há
dois anos, de criar uma orquestra de cordas para motivar as
aulas. Num misto de diversão
com disposição de ajudar, alguns alunos particulares de Ênio
quiseram também tocar com o
grupo. Os ensaios ficaram mais
rígidos: três vezes por semana,
inclusive aos sábados. Cada ensaio dura quatro horas. Professores de viola e violoncelo aderiram ao projeto.
A primeira vitória foi terem
conseguido uma sala do Teatro
Municipal de São Paulo para tocar para o público uma vez por
mês. A maior das vitórias, entretanto, está prevista para breve.
Um grupo de executivos de uma
multinacional viu os adolescentes da orquestra tocando, em
praça pública, "As Quatro Estações", de Vivaldi. Acharam que
aquilo valia nota dez e decidiram patrocinar um CD, que será
lançado ainda neste ano.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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