São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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URBANIDADE

Periferia tem concerto

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

O temor das notas fez um grupo de violinistas inspirar a criação de uma orquestra.
Decididos a aprender a tocar violino, adolescentes da periferia matriculados na Universidade Livre de Música, rebatizada de Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, viviam atormentados com as notas baixas. Um dos professores, Ênio Antunes, violinista da Orquestra Municipal de São Paulo, resolveu reunir, em seu horário de folga, alguns deles para exercícios de reforço.
Não fazia muito tempo que Ênio também sentira a dor de uma frustração por causa de uma nota. Nascido em Belo Horizonte, filho de pai músico, ele tocava na orquestra da Universidade Federal da Bahia quando estava prestes a dar o maior salto de sua vida: fora aceito para estudar na Universidade de Yale, uma das melhores escolas de música do mundo. Matrícula já feita, não conseguiu ajuda para pagar o curso só porque as notas de inglês não foram boas. Isso o impediu de ganhar a bolsa do governo brasileiro. "Fiquei meses com aquele ressentimento."
Frustrado, soube que estavam fazendo concurso na Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, resolveu mudar de ares e deixou Salvador. Para completar o orçamento, dava aula particular e ensinava na Tom Jobim, instituição ligada ao governo estadual. Deparou-se com a dificuldade de alguns dos alunos, que, apesar de esforçados, estavam ameaçados de reprovação. "Todo professor gosta de ajudar alunos que desejam ser ajudados."
Como os encontros passaram a ser regulares, tiveram a idéia, há dois anos, de criar uma orquestra de cordas para motivar as aulas. Num misto de diversão com disposição de ajudar, alguns alunos particulares de Ênio quiseram também tocar com o grupo. Os ensaios ficaram mais rígidos: três vezes por semana, inclusive aos sábados. Cada ensaio dura quatro horas. Professores de viola e violoncelo aderiram ao projeto.
A primeira vitória foi terem conseguido uma sala do Teatro Municipal de São Paulo para tocar para o público uma vez por mês. A maior das vitórias, entretanto, está prevista para breve. Um grupo de executivos de uma multinacional viu os adolescentes da orquestra tocando, em praça pública, "As Quatro Estações", de Vivaldi. Acharam que aquilo valia nota dez e decidiram patrocinar um CD, que será lançado ainda neste ano.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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