São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2011

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PASQUALE CIPRO NETO

Que falta fazem as aulas de filosofia...


Será tão difícil ficar no que efetivamente se diz e não enxergar relações inexistentes nos textos?

NA SEMANA passada, tratei da lamentável peça publicitária da Caixa Econômica Federal em que o grande Machado de Assis foi "embranquecido". Relembro esta passagem do meu texto, que o resume: "Alguém acha mesmo que nos dias de hoje alguém 'embranqueceria' Machado por preconceito racial? Nem o mais ardoroso e idiota adepto da Ku Klux Klan teria a 'brilhante' ideia de 'embranquecer' na TV o grande Machado. Será que o problema não é outro? Será que o problema não se chama pura e simplesmente desinformação? Ou (...) ignorância?".
Como eu já esperava, choveram mensagens (quase todas civilizadas) de leitores que me consideraram ingênuo por acreditar que a verdadeira razão do "embranquecimento" de Machado não foi o racismo (velado, explícito, contumaz, contido no DNA dos brasileiros etc., etc., etc.) ou (!!!) por eu acreditar que não há mais racismo no Brasil etc. Muitos me sugeriram a leitura dos livros X, Y e Z, que tratam da negritude, do racismo velado ou explícito blablablá, blablablá.
Que falta fazem as aulas de filosofia (já não as há nas nossas escolas, com raras exceções)! No ginásio e no colégio, no querido M.M.D.C. (escola pública da Mooca, em São Paulo), tive a subida honra de ser aluno do grande professor de filosofia João Paixão Netto, que já mora no céu. Paixão nos ensinou a ler, a raciocinar logicamente, a trabalhar com textos filosóficos sem neles enxergar o que não há, ensinou-nos a levar em conta as verdadeiras relações que há entre as afirmações presentes num texto.
Quando afirmei que nos dias de hoje ninguém "embranqueceria" Machado na TV por preconceito racial, empreguei a expressão "por preconceito racial" como adjunto adverbial de causa. Em outras palavras, essa expressão adverbial, que se refere a "embranqueceria", indica a causa do processo expresso por essa forma verbal (na verdade, indica a não causa, já que afirmo que ninguém embranqueceria Machado na TV por preconceito racial).
Pois bem. Essa passagem sobre a (não) causa do "embranquecimento" de Machado na TV não permite que ninguém conclua que há nela alguma afirmação sobre o racismo ou o não racismo (velado ou explícito) dos produtores da peça, da direção da CEF, da sociedade brasileira ou de quem quer que seja.
Repito aqui parte do que escrevi a alguns leitores: "Com todas as letras, condenei o trabalho da agência, cujo produto (um filme em que Machado é 'branco') resulta claramente do despreparo de seus idealizadores, executores etc. Não nego nem afirmo a possibilidade de, por trás desse despreparo, haver uma cultura racista (racismo velado ou explícito). Como deixo subentendido no texto, não me parece provável que nos dias de hoje alguém se disponha a uma atitude cretina como a de 'embranquecer' deliberadamente Machado na TV, improvável até mesmo para o mais idiota dos racistas. Alguém que detenha a conta da publicidade da CEF vai querer perder esse cliente vinculando-o a uma postura racista? Ainda que o publicitário fosse racista, ele certamente estaria atento ao que o seu cliente quer, não? Será que a CEF quer que sua imagem seja vinculada a preconceito etc.? Meu texto é claro: diz com todas as letras que Machado não era branco e que a agência foi, no mínimo, negligente".
Em suma, caro leitor, tratei do ponto a que se chega por desinformação, ignorância e, por que não dizer, prepotência. Será tão difícil ficar no que efetivamente se diz e não enxergar relações inexistentes nos textos? É isso.


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