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São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

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VIOLÊNCIA

Para inspetor-geral, vazamento de denúncia contra PMs do Rio pode ter provocado morte; testemunhas recusam proteção policial

Para policial, denúncia motivou crime

MICHEL ALECRIM
DA SUCURSAL DO RIO

O inspetor-geral da polícia, coronel João Carlos Ferreira, admitiu ontem a possibilidade de o vazamento da denúncia contra policiais militares ter provocado a morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24. Ele teria sido assassinado, anteontem, por PMs na favela de Parada de Lucas, zona norte do Rio.
Os parentes de Silva acreditam que o fato de ele ter denunciado os PMs por tortura e extorsão foi o motivo do assassinato.
Ferreira, no entanto, diz que prefere trabalhar com a hipótese de os PMs terem dado uma demonstração de poder. O guardador, que é funcionário da CET, teria sido assassinado por só ter pago a metade dos R$ 2.000 exigidos pelos PMs. A Secretaria de Segurança Pública só reconhece essa hipótese e nem sequer investiga se houve vazamento da denúncia.
Oito policiais foram presos, anteontem, sob acusação de torturar e extorquir dinheiro de moradores da favela e de matar Silva. Eles negam as acusações.
A líder comunitária que denunciou o sequestro, a tortura e a extorsão praticada contra Silva também suspeita que policiais que tomaram conhecimento da denúncia poderiam ter passado a informação para os envolvidos.
Segundo ela, que pede para não ter o nome revelado, três comerciantes da favela foram vítimas dos mesmos PMs, que pertencem ao 16º BPM (Olaria).
Um parente que disse ter visto o momento em que o guardador foi morto contou ontem, no enterro, que os PMs chegaram a afirmar que o motivo da morte foi o fato de a vítima ter denunciado os policiais. Segundo essa testemunha, os policiais disseram que é isso que acontece com "alcaguete".
Um primo do guardador diz que os parentes estavam tentando arrecadar os R$ 1.000 que faltavam para pagar a extorsão. O prazo dado pelos policiais militares seria até ontem, mas a denúncia teria motivado o crime.
Como a líder comunitária que fez a denúncia procurou primeiro a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Assembléia Legislativa e a Corregedoria da PM, Ferreira acha que o vazamento, se houve, pode ter partido de qualquer um desses lugares, ou até da 5ª DP, onde o caso foi registrado. "Acho que eles queriam mesmo aterrorizar a comunidade", disse Ferreira.
Mesmo com a prisão de oito suspeitos, familiares do guardador estão com medo de represálias da polícia. Eles recusaram a proteção oferecida ontem pela Secretaria de Segurança Pública.
Segundo parentes e moradores, os policiais fotografaram os participantes de um ato realizado anteontem na avenida Brasil, logo após o crime. Os PMs também teriam ido na casa de um parente de Silva fotografar os familiares.
Silva foi enterrado ontem, às 12h, no Cemitério de Irajá. Em coro, familiares e amigos gritaram: "Ino, ino, ino, 16º é assassino", em referência ao 16º Batalhão.

Troca de tiros
Em depoimento na 38ª DP (Brás de Pina) que foi até as 5h de ontem, os oito policiais presos apresentaram a versão de que teriam ido à favela para uma operação. Ao chegarem, trocaram tiros com quatro traficantes. Na versão dos acusados, Silva estaria no grupo.
O Ministério Público Estadual quer que seja feita a reconstituição do caso. A Corregedoria da PM pedirá à Justiça a quebra do sigilo telefônico dos oito policiais suspeitos. O ex-comandante do 16º BPM coronel Lourenço Pacheco também terá suas ligações telefônicas vasculhadas. Ele foi exonerado e também está preso.
Num galpão onde seria praticada a tortura pelos policiais, foram encontrados objetos que pertenceriam ao guardador.

Nova denúncia
O secretário de Segurança, Anthony Garotinho, informou que dois policiais foram presos em flagrante ontem, numa delegacia, negociando por R$ 100 mil a liberdade do traficante José Roberto Pinto da Costa, o Capixaba, 29, chefe do tráfico nas favelas da Mandela e da Varginha, em Manguinhos (zona norte do Rio).
O delegado titular, que não estava na delegacia no momento do flagrante, foi exonerado do cargo, e outros dois PMs envolvidos no crime estariam foragidos.
A Folha não conseguiu localizar os advogados dos policiais.
Garotinho afirmou que o celular do traficante estava grampeado havia 15 dias e que nas próximas horas outros policiais civis e militares devem ser presos.


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