São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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WALTER CENEVIVA

Tragédias sem direito


A reparação dos danos pessoais e materiais, no caso de SC, estará sempre longe da satisfação integral

O DIREITO dá o termo médio de soluções para fatos da vida, entre os quais não se incluem as tragédias, individuais ou coletivas. Em outras palavras: o direito serve para eventos cuja magnitude encontra modos de composição até um nível de razoabilidade. Nível de quantificação não previsível, para fatos extraordinários nas regras do direito e da Justiça. Tudo a dizer que as normas jurídicas têm aplicação inválida para a excentricidade.
As enchentes de Santa Catarina, com suas dezenas de vítimas estão nesse padrão incomum. A reparação dos danos pessoais, físicos ou psíquicos, e materiais estará sempre longe da satisfação integral, especialmente para marcas indeléveis fixadas na memória dos que escaparam da fúria das águas. A completa recomposição das perdas é inviável, até pela alternativa dos que desobedeceram as leis de ocupação do solo. O que se pode conseguir com a visão pessimista da última frase? É pouco porque o remédio pleno não está na farmácia do direito. Seu efeito, embora, é ainda assim indispensável.
Indispensabilidade do direito não significa certeza de justiça. Pode até provocar mais injustiças. O operador jurídico não deve ignorar as duas faces do problema. Não porque sua aplicação seja inviável, mas porque nasce de critérios definidos na lei, que não é instrumento de justiça. Direito e justiça, são realidades diversas.
Vejamos outro exemplo. Na Índia, nesta semana, terroristas mataram ou seqüestraram vítimas inocentes, para obtenção de efeitos voltados à desconstituição da estrutura legal existente. Mostraram a insuficiência do direito e das leis para solucionar questões transcendentes da normalidade média. Daí a tragédia cujo enredo envolveu personagens sacrificados injustamente. Tanto na Índia como em Santa Catarina, (de resto em tantos outros eventos) o drama chegou a desenlace, sem reparação possível para as perdas humanas, de bens e de sonhos.
A impossibilidade de impedir ou, ao menos, de prevenir as tragédias não deve, por si mesma, nos desanimar, ante a fraqueza dos meios disponíveis para a solução delas. A impossibilidade de impedir que certos modos de composição dos efeitos danosos existe, quando resultam em vantagens para alguns, em detrimento de outros. Sendo realistas, temos de admitir, em primeiro lugar, tais resultados são inerentes ao defeituoso contexto da vida humana. Não se perca de vista que as transformações pelas quais o planeta Terra passou nos últimos cem anos são inconfundíveis com as situações encontradas nos milênios anteriores. O simples fato da difusão das notícias distribuído quase livremente para bilhões de pessoas já é o símbolo da transformação positiva. Substituiu a situação anterior, em que, apesar dos progressos do século 19, ainda limitava o conhecimento difuso. Justifica o otimismo? Talvez sim, talvez não. Dá, porém, a impressão predominante de não representar por si mesma a solução para a aplicação do direito na correção das grandes tragédias. Mas, pelo menos, dá a certeza de que número crescente de pessoas pode interferir no debate sobre as soluções a serem praticadas, rompendo o desequilíbrio que antes beneficiava na lei, os nobres, os religiosos, os militares, excluindo todos os outros. A exclusão está limitada.


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