São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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SAÚDE MENTAL 2
Paciente internado custa ao governo R$ 700 por mês, contra R$ 300 dos instalados em moradias terapêuticas
Socialização é mais rápida
fora de hospital

da Reportagem Local

Na casa do bairro Santa Odila, em Campinas, os sete moradores têm telefone, TV, fazem supermercado toda semana e variam o cardápio todo dia. Cada morador custa R$ 300 por mês, incluindo acompanhamento especializado.
Internados, custariam R$ 700, valor mensal que o governo paga por internação psiquiátrica.
Há argumentos fortes em defesa da medida: compartilhar uma casa está permitindo aos pacientes uma socialização rápida e uma qualidade de vida impossível dentro dos muros do hospital.
"A capacidade de aprender dessas pessoas vem confirmando que morar fora é fundamental para a saúde mental", afirma o psiquiatra Willians Valentini, superintendente do Cândido Ferreira, um hospital filantrópico que atua em co-gestão com a prefeitura.
"A moradia é hoje o ponto nevrálgico da reforma psiquiátrica", afirma a psicóloga Isabel Cristina Lopes, coordenadora-geral da ONG SOS Saúde Mental.
Sem um lugar para morar, não há como promover a desospitalização de pacientes cronificados, aqueles que passaram a viver dentro dos hospícios.
Instalar os loucos em casas comuns é uma das principais reivindicações dos militantes da luta antimanicomial, que no Brasil já tem quase 20 anos.
Em 1994, foi criada a Comissão Nacional para a Reforma Psiquiátrica. A comissão é a autora da minuta que cria os lares abrigados e que será analisada esta semana pelo Conselho Nacional de Saúde.

Estrutura

Embora o paciente fora do hospital custe bem menos para o Estado, o programa no seu conjunto deve custar mais, já que os municípios terão que montar estruturas para acompanhar os pacientes.
"Cada vez que um paciente for para um lar abrigado, o hospital terá que fechar uma vaga", diz o psiquiatra Nacile Daud Junior, um dos autores da projeto.
O programa segue o espírito de dois projetos que tramitam na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa paulista e que definem a reforma psiquiátrica.
Uma primeira tentativa para desospitalizar cerca de 20 "pacientes-moradores" foi feita no início dos anos 90 com o PAD (Programa de Apoio à Desospitalização), segundo Alfredo Schechtman, do serviço de saúde mental do Ministério da Saúde.
O programa consistia em repassar o dinheiro que o SUS (Sistema Único de Saúde) pagava por internação (R$ 700 mensais) para os municípios e para o próprio paciente, com uma sobra de caixa para o governo.
O programa emperrou num parecer jurídico do próprio ministério, já que o dinheiro do SUS não pode ser repassado diretamente ao paciente ou para moradias.
Segundo Schechtman, o que derrubou a proposta foi um lobby encabeçado pelos hospitais privados e por familiares dos pacientes. "As mudanças dependem de decisão política", afirma.
(AURELIANO BIANCARELLI)


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