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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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DANUZA LEÃO

Raiva de guerra

As pessoas raciocinaram com bom senso, à luz da razão, e isso foi o suficiente para gente no mundo inteiro ir para a rua protestar contra a invasão do Iraque. E continuam.
Não se trata de torcer para um lado ou para o outro: as vidas dos soldados são preciosas, tanto as dos americanos quanto as dos iraquianos. Mas o desprezo com que foi e continua sendo tratada a ONU, o cinismo das autoridades americanas quando fazem suas declarações ao mundo e o comportamento da imprensa americana mentindo deslavadamente sobre o resultado dos ataques e o número de mortos e feridos estão ficando, a cada dia, mais insuportáveis.
E agora tem mais: a vergonhosa disputa entre Bush e Blair pelos bilhões de dólares. Depois de terem passado por cima do Conselho de Segurança da ONU, os americanos ainda querem tirar das mãos das Nações Unidas -cuja função é essa também- a reconstrução do Iraque. Trocando em miúdos: o manuseio do dinheiro.
Fico pensando: será que o mundo já foi melhor? Hitler, sabe-se, era um caso de loucura grave; mas de lá para cá a falta de vergonha na cara não estará piorando?
Neste exato momento Bush e Blair falam na televisão: sérios, apresentam suas condolências às famílias dos mortos e falam em justiça. Será que eles acreditam mesmo no que estão falando? Será?
Enquanto isso os americanos, jovens e louros, enfrentam a tempestade de areia no deserto e são de cortar o coração. Por outro lado, os pobres iraquianos, levantando e sacudindo os braços em sinal de apoio a Saddam, são de chorar de pena. Está tudo muito difícil, mas alguma coisa está mudando.
Além da pena dos soldados -todos- e da solidariedade -a eles todos-, um outro sentimento começa a aparecer: a raiva.
Se nos primeiros dias acompanhamos pela televisão e pelos jornais com o maior interesse todos os acontecimentos, agora, quando se vê qualquer pessoa da administração Bush falando sobre a guerra, se pensa, sem nenhum respeito: é muita cara-de-pau. Será que alguém acredita mesmo que Bush está preocupado com a democracia no Iraque? Não, não é possível. Existe diferença entre pessoas que se acham no direito de matar por dinheiro e poder? Claro que não. Fernandinho Beira-Mar manda matar diretamente de Bangu, e Bush, da Casa Branca; qual a diferença?
Ninguém sabe o que vai acontecer, qual será o futuro do mundo. Mas não é possível que Deus - já que todo mundo fala dele eu também posso falar- permita que os Estados Unidos tenham uma vitória bacana, o país fique ainda mais rico e arrogante e que Bush ainda seja reeleito no próximo ano como o herói dos tempos.
Se isso acontecer, vamos nos sentir ainda mais frágeis e desprotegidos, com a sensação de que não existe justiça no mundo; e se eles resolverem invadir a Amazônia, a quem vamos nos queixar? A que ONU? E o que aprendemos desde crianças, que o crime não compensa, que o bem pode demorar mas acaba vencendo, que Deus castiga e que a esperança é a última que morre? A minha já está nas últimas.
É ruim sentir raiva; eu cada dia sinto mais, e tanta, mas tanta, que já estou com raiva de quem não está com raiva da guerra.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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