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SAÚDE
Médicos da rede pública escolhem droga mais cara entre remédios com mesmo efeito; conselho desconfia de pressão da indústria
SP tem prejuízo com remédio de hepatite
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Estado de São Paulo teve um
prejuízo de pelo menos R$ 862,5
mil no ano passado, referente a
quatro meses de compras de um
remédio contra a hepatite C, o interferon peguilado. Médicos da
rede pública estadual preferiram
prescrever um remédio mais caro
do que uma droga de mesmo efeito terapêutico, mas mais barata,
que havia ganho a licitação do governo estadual.
O caso chamou a atenção do
Conselho Regional de Medicina,
que suspeita de uma interferência
da indústria farmacêutica.
Os profissionais têm liberdade
para a prescrição, segundo o Código de Ética Médica, mas o conselho defende que optem pela
droga que tem o melhor custo-benefício para o Estado, o que, avalia, ajudará na sustentabilidade do
programa de hepatite, doença de
tratamento muito caro.
"O conselho apóia a prescrição
de acordo com as normas da secretaria à medida que é baseada
em protocolos [científicos]", afirmou Caio Rosenthal, conselheiro
do Cremesp. "O médico é livre.
Agora, a indústria entra como um
brutamontes em cima do médico
e faz todo tipo de jogo para tentar
colocar o remédio. Ela dá miçangas aos médicos, regalias e viagens."
O laboratório Roche, que fabrica o medicamento que tem sido
preferido pelos médicos, nega que
suas ações de marketing possam
estar interferindo nas prescrições. Médicos
também refutam essa hipótese.
ONGs que reúnem pacientes
calculam que o valor do prejuízo é
suficiente para arcar com o tratamento de 36 pessoas. O valor
equivale ao período de julho a novembro de 2005. A Secretaria Estadual da Saúde não contestou o
dado e não informou quanto teve
de prejuízo nos outros meses.
Desde o segundo semestre do
ano passado, a pasta faz suas
compras com base em um pregão
em que a Schering-Plough levou a
maior parte das compras de interferon peguilado -estimadas pelo
governo em 201.500 unidades, a
um custo de R$ 500 por injeção.
O restante das compras, que foram fracionadas de acordo com o
peso dos pacientes -e em outras
dosagens-, foi ganho pelo laboratório Roche, por R$ 538 a injeção. Uma portaria técnica divulgada depois do pregão orientava
que a prescrição seguisse os princípios do edital. Com isso, a maior
demanda deveria ser pelo remédio da Schering-Plough, mais barato. Mas não foi o que aconteceu.
"Os médicos não prescrevem
segundo a nossa sugestão", diz
Carlos Magno Fortaleza, indicado
pela secretaria para falar sobre o
assunto. "Mas não podemos mudar a prescrição médica. [Os médicos dizem] Prescrevi, você tem
para entregar [o remédio], não temos capacidade de mudar."
A secretaria e o conselho prometem uma campanha no próximo mês para convencer os médicos a prescrever o remédio de melhor custo-benefício para o Estado neste momento.
A ONG de pacientes C Tem Que
Saber C Tem Que Curar diz que as
providências demoraram.
"Cobramos desde agosto do
ano passado. Não estamos dizendo que houve dolo. Mas antes eles
disseram que estavam de braços
amarrados. Agora mudou", afirmou Francisco Martucci, presidente da ONG. "O que me causa
estranheza é reclamar de uma coisa que caberia ao laboratório
[Schering-Plough]", disse Fortaleza. "O nosso objetivo é o mesmo
das ONGs. Quero educar os médicos a tratar com menor custo-benefício", afirmou, no entanto.
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