São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Médicos da rede pública escolhem droga mais cara entre remédios com mesmo efeito; conselho desconfia de pressão da indústria

SP tem prejuízo com remédio de hepatite

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Estado de São Paulo teve um prejuízo de pelo menos R$ 862,5 mil no ano passado, referente a quatro meses de compras de um remédio contra a hepatite C, o interferon peguilado. Médicos da rede pública estadual preferiram prescrever um remédio mais caro do que uma droga de mesmo efeito terapêutico, mas mais barata, que havia ganho a licitação do governo estadual.
O caso chamou a atenção do Conselho Regional de Medicina, que suspeita de uma interferência da indústria farmacêutica.
Os profissionais têm liberdade para a prescrição, segundo o Código de Ética Médica, mas o conselho defende que optem pela droga que tem o melhor custo-benefício para o Estado, o que, avalia, ajudará na sustentabilidade do programa de hepatite, doença de tratamento muito caro.
"O conselho apóia a prescrição de acordo com as normas da secretaria à medida que é baseada em protocolos [científicos]", afirmou Caio Rosenthal, conselheiro do Cremesp. "O médico é livre. Agora, a indústria entra como um brutamontes em cima do médico e faz todo tipo de jogo para tentar colocar o remédio. Ela dá miçangas aos médicos, regalias e viagens."
O laboratório Roche, que fabrica o medicamento que tem sido preferido pelos médicos, nega que suas ações de marketing possam estar interferindo nas prescrições. Médicos também refutam essa hipótese.
ONGs que reúnem pacientes calculam que o valor do prejuízo é suficiente para arcar com o tratamento de 36 pessoas. O valor equivale ao período de julho a novembro de 2005. A Secretaria Estadual da Saúde não contestou o dado e não informou quanto teve de prejuízo nos outros meses.
Desde o segundo semestre do ano passado, a pasta faz suas compras com base em um pregão em que a Schering-Plough levou a maior parte das compras de interferon peguilado -estimadas pelo governo em 201.500 unidades, a um custo de R$ 500 por injeção.
O restante das compras, que foram fracionadas de acordo com o peso dos pacientes -e em outras dosagens-, foi ganho pelo laboratório Roche, por R$ 538 a injeção. Uma portaria técnica divulgada depois do pregão orientava que a prescrição seguisse os princípios do edital. Com isso, a maior demanda deveria ser pelo remédio da Schering-Plough, mais barato. Mas não foi o que aconteceu.
"Os médicos não prescrevem segundo a nossa sugestão", diz Carlos Magno Fortaleza, indicado pela secretaria para falar sobre o assunto. "Mas não podemos mudar a prescrição médica. [Os médicos dizem] Prescrevi, você tem para entregar [o remédio], não temos capacidade de mudar."
A secretaria e o conselho prometem uma campanha no próximo mês para convencer os médicos a prescrever o remédio de melhor custo-benefício para o Estado neste momento.
A ONG de pacientes C Tem Que Saber C Tem Que Curar diz que as providências demoraram.
"Cobramos desde agosto do ano passado. Não estamos dizendo que houve dolo. Mas antes eles disseram que estavam de braços amarrados. Agora mudou", afirmou Francisco Martucci, presidente da ONG. "O que me causa estranheza é reclamar de uma coisa que caberia ao laboratório [Schering-Plough]", disse Fortaleza. "O nosso objetivo é o mesmo das ONGs. Quero educar os médicos a tratar com menor custo-benefício", afirmou, no entanto.


Texto Anterior: Trânsito: Repórter participa de bate-papo hoje
Próximo Texto: Outro lado: Empresas negam pressão sobre médicos e ONG
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.