São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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LIMPEZA URBANA

Nome de vencedores e valores da concorrência do lixo foram registrados em cartório antes da abertura das propostas

Documento aponta acordos em licitação

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um documento recebido pela Folha e registrado em cartório no último dia 15 antecipou os grupos vencedores da licitação da coleta do lixo em São Paulo, cujos envelopes foram abertos na terça-feira pela gestão Marta Suplicy (PT), e aponta haver um suposto acerto de empresas que se estende à concorrência dos serviços de varrição, suspensa pelo TCM (Tribunal de Contas do Município).
O documento, que a reportagem recebeu de uma pessoa que não quer se identificar, fala em um suposto acordo entre todos os que disputavam a coleta e cita um valor aproximado das melhores ofertas. Um dos perdedores seria recompensado com a área de varrição da Subprefeitura da Sé, considerada a principal da cidade.
A contratação dos serviços de coleta, tratamento e destinação final de resíduos, sob responsabilidade da Secretaria de Serviços Urbanos, é válida por 20 anos -prorrogáveis por igual período-, tem um custo que supera R$ 10 bilhões e é a maior do tipo já feita no país. A da varrição, a cargo da Secretaria das Subprefeituras, é válida por cinco anos e está avaliada em R$ 1,4 bilhão.
A licitação da coleta dividiu a cidade em duas áreas -cada uma foi disputada por cinco grupos. O documento apontou que a área Noroeste seria vencida pelo consórcio São Paulo Limpeza Urbana -formado pelas empresas Vega, Cavo e SPL- e que a Sudeste seria ganha pelo consórcio Bandeirantes 2 -composto por Queiroz Galvão, LOT e H. Guedes.
Os envelopes abertos na terça-feira confirmaram essa distribuição. Duas propostas em cada área foram rejeitadas no mês passado -antes do registro em cartório- sob a alegação de problemas de documentação. Os valores não foram divulgados. Além dos dois vencedores, a Qualix também teve seus preços analisados.
O documento, registrado no 10º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, não antecipa apenas quem seriam os vencedores. Ele cita valores que representam um custo total dessa contratação superior a R$ 10 bilhões -mais de R$ 5 bilhões em cada área.
Esses valores se aproximam das melhores propostas abertas na terça-feira, de R$ 4,93 bilhões e R$ 5,4 bilhões, totalizando R$ 10,33 bilhões, montante 14,8% superior aos R$ 9 bilhões estimados no próprio edital da concorrência. Esse resultado dos três envelopes acima da previsão do edital não é considerado comum por especialistas consultados pela Folha. Um deles afirmou que, pelo fato de todos os concorrentes terem apresentado preços superiores aos previstos, a prefeitura tem base legal para anular a concorrência.
As ofertas que constavam dos envelopes abertos tiveram diferenças pequenas -variações de 1,1% a 2,1% entre as maiores e as menores, nos dois lotes. Esses valores apresentados são os únicos critérios de seleção dessa última fase -ou seja, os grupos já haviam atendido à capacitação técnica mínima, sendo indiferente, no caso, se uma tinha mais ou menos experiência que a outra.
O consórcio São Paulo Limpeza Urbana, que ofereceu a melhor proposta na área Noroeste, apresentou a pior oferta na área Sudeste. O consórcio Bandeirantes 2 apresentou a melhor oferta na área Sudeste e a pior na Noroeste. Os preços da Qualix, em ambos os casos, ficaram em segundo lugar.

"Cobertura"
O documento que antecipou os resultados da licitação, além de citar a participação de cada um dos cinco grupos interessados, relaciona os supostos "acordos" com a licitação da varrição, que acabou suspensa neste mês pelo TCM por suspeitas de irregularidade na desclassificação de uma empresa.
Segundo a denúncia, enquanto os grupos Bandeirantes 2 e São Paulo Limpeza Urbana venceriam as áreas Sudeste e Noroeste, respectivamente, a empresa Qualix (antiga Enterpa), terceira qualificada, faria a "cobertura", oferecendo preços maiores para, em troca, ficar com uma área de seu interesse na varrição -a Sé.
O documento diz que a "coordenação" dessa segunda licitação teria a participação de Rogério Buratti, ex-secretário de Antonio Palocci em Ribeirão Preto e representante do grupo Leão Leão.
O texto cita que um consórcio desqualificado pela prefeitura -Bandeirantes 1 (formado pela Delta, Cliba e Limpebrás)- poderia obter liminar para voltar à disputa, mas não insistiria até a última instância -devendo desistir de "recorrer da decisão".
O segundo desclassificado -SP Limpa (OAS, CBPO, H. Guedes)- teria, pelo documento, "participação futura", mas ele não detalha quais seriam as vantagens obtidas. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça confirmou que houve um mandado de segurança solicitado por ele no dia 19, mas, na semana passada, ele pediu desistência do processo -antes de ser apreciado.
Os envelopes dos dois desqualificados não foram abertos nem divulgados -foram destruídos. O do Bandeirantes 1 teria um preço que "inviabilizaria" os supostos acordos, afirma o documento.
A Secretaria de Serviços e Obras da prefeitura afirma que a intenção é iniciar os novos contratos no segundo semestre deste ano.
Com a divulgação dos preços na terça-feira, os consórcios São Paulo Limpeza Urbana e Bandeirantes 2, que tiveram as melhores ofertas, poderão ser declarados oficialmente como vencedores apenas depois dos prazos de recurso e análise dos documentos.


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