São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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JUSTIÇA

Por força de liminar, 22 casas já reabriram em São Paulo; apostadores alugam até van para freqüentar locais

Reabertos, bingos atraem órfãos do jogo

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

As loiras estavam alegres. Aos gritos, comemoravam cada linha completada na cartela. Calibradas com 12 latinhas de cervejas e sortudas demais, as duas atraíam confusão. "Não dá para calar a boca aí?", atacou uma jogadora. "Vai passear, perdedora", rugiu uma das loiras. "Segurança! Tira essa maluca daqui." O clima não é de brincadeira no Bingo Moema, um dos 22 templos da jogatina reabertos por força de liminares no Estado de São Paulo.
Antes da medida provisória que proibiu os bingos, 460 estabelecimentos disputavam a freguesia em São Paulo.
As liminares concedidas autorizam bingos a dar continuidade a suas atividades até a eventual conversão em lei da medida provisória, o que só ocorrerá após aprovação no Congresso.
Agora, os poucos em funcionamento, sem saber até quando poderão operar, querem aproveitar o máximo. Ontem, na esquina das avenidas Duque de Caxias e São João, duas moças estendiam diante dos carros parados no semáforo uma faixa que alardeava: "Bingo Metrópole, aberto 24 horas".
A publicidade funciona. E funciona o boca a boca. A dona-de-casa Marília Fernandes, 35, ficou sabendo na semana passada da liminar que reabriu o Bingo Moema. Imediatamente, telefonou para 18 amigas. Ontem, todas estavam apostando. "A gente veio tirar o atraso", diz ela.
"A gente se organizou e contratou uma van para trazer a turma", diz Rogério Brás de Oliveira, 55, do Belém (zona leste). Todos os dias, desde a reabertura do Moema (zona sul), a van pára no largo do Belém e recolhe os 15 cotistas. Eles voltam cinco horas depois.
"Todo mundo aqui quer recuperar o tempo perdido", explica uma vendedora de cartelas do Bingo Moema. Às 16h de ontem, 300 pessoas ocupavam as mesas de apostas de bingos "cantados", aqueles mais tradicionais, com cartelas. Outras 600 jogavam nas máquinas de bingo eletrônico. Numa quinta-feira anterior à proibição, não mais do que cem estariam na casa nesse horário.
O movimento é tão intenso que obrigou o bingo a fechar o estacionamento que funcionava colado ao seu prédio. No local, foram instaladas 200 máquinas de bingo eletrônico. Agora, são 548 máquinas, funcionando 24 horas por dia, todos os dias.
Situação ainda mais denunciadora do desespero dos jogadores acontecia ontem no Bingo Metrópole (no centro de São Paulo), onde 800 jogadores disputavam os prêmios. Sem cadeira para todos, muitos prendiam suas cartelas em pranchetas e acompanhavam a extração em pé. Havia fila para entrar no salão de jogos.
A superpopulação e a velocidade acelerada do jogo elevavam a tensão. Qualquer conversinha no meio da extração logo era interrompida por "psius" vindos de todo o ambiente.
"Eles estão querendo faturar tudo o que não faturaram no período em que ficaram fechados", reclama a professora aposentada Maria Clara Gonçalves Pierucci, 63, do Tatuapé, que atravessou a cidade para jogar no Bingo Moema. A professora, com seis cartelas na sua frente, mal conseguia anotar os números sorteados.
Antes do fechamento dos bingos, terminada uma extração, entrava uma música (o repertório dessas casas inclui de Kelly Key a Luca, aquela do hit "Tô nem Aí"). Durante esse intervalo, vendiam-se as cartelas para o concurso seguinte. Agora, o jogo ainda acontece e já se estão vendendo cartelas para o próximo. As apostas não podem parar.


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