São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2007

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Brasil ignora medidas de segurança aérea

Sete meses após acidente do Boeing da Gol, Aeronáutica ainda não aplicou recomendações feitas por seus próprios órgãos

Em reunião de órgão internacional de aviação, realizada neste mês, país sustentou ter tomado precauções de imediato

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sete meses depois do pior acidente aéreo da história do país, com 154 mortos, a Aeronáutica ainda não implementou as medidas de segurança previstas internamente para corrigir falhas no sistema de controle de tráfego aéreo e evitar acidentes. A FAB (Força Aérea Brasileira) diz que as medidas, elaboradas depois do acidente, estão "em análise".
Em meios internacionais, contudo, o Brasil sustenta que tomou as precauções neces- sárias "imediatamente". Em reunião da OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) neste mês na Costa Rica, onde o país enfrenta pressões devido à crise aérea, o Brasil disse que as medidas já foram efetuadas.
"Todas as ações que podiam ser implementadas na esfera brasileira foram lançadas, incluindo a implementação de algumas recomendações preliminares de segurança", conclui o documento oficial apresentado pelo país na OACI.
A Folha teve acesso à lista e às justificativas brasileiras e verificou que as medidas de segurança recomendadas não foram aplicadas, com exceção de mudanças no manual de regras e a aplicação de aulas de inglês aos controladores, planejadas anteriormente.
As medidas são classificadas como "ações de curto prazo" e tratam de melhorias de software, procedimentos e treinamento de controladores -todas de alguma forma ligadas a fatores que contribuíram para a colisão do jato Legacy da ExcelAire e o Boeing da Gol, em 29 de setembro de 2006.
Controladores sustentam que os riscos continuam e que agora estão agravados pelo desgaste do motim de 30 de março e o endurecimento militar no setor. A Aeronáutica rebate a versão e afirma que o controle aéreo brasileiro é seguro.
Não é o que mostra a lista de medidas elaborada pelo Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e aprovada pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), ambos órgãos da Aeronáutica, entre dezembro e janeiro.
Além disso, o órgão dos EUA que participa da investigação, o NTSB (National Transportation Safety Board), também fez suas próprias recomendações.

Confusão na tela
Segundo o Cenipa, o programa de computador responsável por "traduzir" os dados dos radares em informações na tela pode confundir o controlador.
Por isso, o Cenipa avaliou ser necessário "implementar, no software das unidades de controle aéreo, um sistema de alerta efetivo nas consoles de radar" para o caso de perda de informações do transponder.
A modificação é explicada como "acréscimo de funcionalidades no software atual", com um alerta sonoro e ou visual, mas isso não foi feito.
O Cenipa também recomendou "aulas específicas" para controladores sobre liberações (autorizações) e transferências de vôos para outros centros ou setores de controle. Nenhuma aula foi realizada.
No caso de perda de contato, o manual brasileiro foi rapidamente atualizado em outubro, dias após o acidente. Mas as mudanças só começam em 10 de maio, segundo dito à OACI.
Esses procedimentos são desconhecidos pelos controladores, constatou a Ifatca (federação internacional dos controladores) em outubro. No dia do acidente, o controlador responsável fez diversas tentativas de chamar o Legacy, sem sucesso. Mas não foram aplicados naquele dia procedimentos que agora estão no manual, como o aviso a outros aviões próximos.
Também é indicado aprimorar o inglês dos controladores. Nesse ponto, há iniciativas, mas ligadas à necessidade de garantir o novo nível de fluência exigido pela OACI até 5 de março de 2008 -no Brasil, só 3% dos controladores estão "prontos". Há risco de suspensão temporária da licença de trabalho para quem não passar na prova, mas o país sustenta que atingirá o nível necessário.


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