São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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NAVEGAÇÃO

Cisne Branco, cultuado pelos marujos, mistura alta tecnologia com modo de içar velas da época de Cabral

Marinha une novo e antigo em navio-veleiro

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Por dentro ele é puro século 21; por fora é perfeito século 19, incluindo partes que pouco mudaram em relação ao século 16.
Pedro Álvares Cabral estranharia a quantidade de velas do navio-veleiro Cisne Branco da Marinha do Brasil. Suas naus e caravelas eram diferentes. Mas em pouco tempo Cabral e seus marujos estariam acostumados, pois o modo de içar e arriar velas continua sendo basicamente o mesmo, meio milênio depois.
Ele só teria dificuldade em entender o radar, o ar-condicionado, os instrumentos de navegação, o motor auxiliar diesel e os computadores. Mas rapidamente faria camaradagem com seus sucessores marinheiros, que falam a mesma linguagem -quase incompreensível para um animal terrestre-, e têm o mesmo respeito pelo mar e pelos ventos.
O Cisne Branco, navio de representação e instrução da Marinha, foi comprado na Holanda e veio ao Brasil pela primeira vez em 2000, exatos 500 anos depois da viagem de Cabral. Ele está agora no começo de uma longa viagem ao exterior para participar de eventos náuticos, só voltando ao seu porto, o Rio, em outubro. Deverá passar pela República Dominicana, Porto Rico e várias cidades dos EUA.
O veleiro é um dos navios mais "piruados" na Marinha (sim, a palavra é com "i"). Essa gíria naval significa que é um dos navios onde mais se procura servir. Há vários motivos. Com as Forças Armadas vivendo uma penúria de recursos, muitos navios saem pouco ao mar. O Cisne Branco é uma exceção. Sua razão de existir é servir de representação diplomática e de instrução em marinharia e tradições navais. E seus custos são relativamente baixos. A tripulação fixa de 51 homens é pequena, e o vento é de graça.
Mas não é qualquer um que consegue. Pois todo homem a bordo, do comandante ao cozinheiro, tem de subir nos mastros e saber trabalhar ali no alto. Toda a tripulação é de voluntários.
Imagine subir as escadas de um prédio de quinze andares. É certamente cansativo. Agora imagine que as escadas são de corda -chamadas "enxárcias"- e ficam do lado de fora do edifício. Que ficam balançando ao sabor dos ventos. É isso que significa ir ao topo do mastro grande do navio, onde fica a sua sexta vela, a 46,4 metros de altura.
"Todos, sem distinção, têm dupla função a bordo", diz o atual comandante, o capitão-de-mar-e-guerra Paulo Vinicius C. Rodrigues Junior. "Quando toca manobra geral de vela todos participam, até cozinheiro, taifeiro, pessoal de eletricidade", afirma.
As marinhas de guerra estão cada vez mais dependentes da tecnologia, lembra o comandante. Isso exige que a Força tenha oficiais e marinheiros cada vez mais especializados. Navios têm de ter especialistas em mecânica, em eletrônica, em computação.
"No Cisne Branco, todo o pessoal, além de ser excelente profissional na sua área, é excelente marinheiro", diz, com orgulho, esse capitão-de-mar-e-guerra que fez carreira em submarinos -passou mais de 13 mil horas submerso- e é também velejador.
Cada mastro tem sua equipe. As manobras de vela são comandadas através de apitos pelo mestre do navio -um sargento experiente- e por um contramestre em cada mastro. Os oficiais supervisionam o trabalho.
Pela tradição, só duas pessoas a bordo são chamadas de "senhor" -o senhor comandante e o senhor mestre.
O mestre do Cisne Branco, primeiro-sargento José Jaime Lemos de Freitas, a princípio queria seguir carreira na área de armamento. Depois, graças a um mestre que foi seu professor, João dos Santos, "tomei gosto pela marinharia", diz ele. E se há um navio em que essas artes tradicionais, de remendar velas a fazer nós, são parte do cotidiano, trata-se do Cisne Branco. "O navio superou minhas expectativas. Para o profissional de marinharia, é uma realização. Sou orgulhoso de servir no Cisne Branco, e mais ainda de ser o mestre do navio", diz o sargento Jaime.
A competição entre os mastros -por exemplo, para ver quem sobe mais rápido ou coloca as velas mais rapidamente- é estritamente proibida. A segurança vem em primeiro lugar. "Nunca tivemos um acidente grave", diz o imediato do veleiro, o capitão-de-fragata Alberto Alexandre Honaiser -e, coincidentemente, outro submarinista e velejador. Honaiser quase perdeu uma perna em um acidente em 1982 a bordo de um Cisne Branco anterior.
O nome do navio é tradicional na Marinha, pois é o título do hino da Força. O brasão do navio, com um cisne e uma lua prateada, lembra um dos versos mais conhecidos: "qual cisne branco que em noite de lua/vai deslizando num lago azul".
"A subida no mastro é obrigatória para os tripulantes, mas não para os que vêm em treinamento", diz Honaiser. De tempos em tempos, o veleiro embarca cerca de 30 alunos da Escola Naval, dos quais 10% não se arriscam a subir no topo do mastro grande.
"A primeira vez dá medo. Se não tiver medo, até desconfia. O adestramento é paulatino, ninguém é super-homem", diz o oficial de relações públicas do Cisne Branco, capitão-tenente Eduardo Rabha Tozzini.


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