São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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Apoio de laboratório é necessário para a reciclagem, dizem médicos

DA REPORTAGEM LOCAL

A participação da indústria farmacêutica é importante para a educação continuada dos médicos e essa parceria não compromete o exercício da medicina se o profissional se guiar por princípios morais e éticos.
A avaliação é de médicos entrevistados pela Folha sobre reportagem publicada ontem em que dois médicos denunciam a relação promíscua entre os laboratórios e os profissionais da saúde, que, muitas vezes, estaria calcada mais em benefícios pessoais do que no bem da população.
"A influência do laboratório sobre o médico tem um limite: a ética e o caráter do profissional. Se ele ultrapassa essa barreira, é um problema individual dele, não institucional", diz o ginecologista Artur Dzik, chefe do serviço de reprodução do Pérola Byington e diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
Na sua opinião, se não existisse o patrocínio dos laboratórios, a realização de congressos científicos seria muito difícil. "Se dependêssemos dos órgãos públicos para nos atualizar, estaríamos na Idade da Pedra", diz Dzik.
Em geral, os eventos médicos (congressos, simpósios e encontros), uma das fontes de atualização científica da categoria, são organizados com recursos vindos da venda de estandes para os laboratórios. Não há recursos públicos para esse tipo de evento.
O reumatologista Morton Scheinberg, do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que, na sua área de atuação, por exemplo, há médicos que receitam remédios ultrapassados por desconhecerem os tratamentos de ponta - muitos dos quais apresentados por estudos dos laboratórios. "Eles estacionaram nos corticóides e antiinflamatórios enquanto os tratamentos imunobiológicos são muito mais eficazes", afirma.
Em algumas sociedades médicas, a parceria entre os profissionais e os laboratórios está institucionalizada. A SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), por exemplo, reúne-se anualmente com representantes da indústria farmacêutica e discute como será sua participação na agenda de eventos da especialidade.
O apoio ocorre por meio da compra dos estandes e de espaço publicitário em revistas, jornais e malas diretas, explica a médica Denise Steiner, presidente da regional paulista da SBD.
"É preferível assim do que os profissionais da área participarem de simpósios promovidos por laboratórios em que os temas abordados acabam sendo enviesados. Nesses casos, só prevalece a idéia dele [laboratório]."
Para Raimundo Marques do Nascimento, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, um dos caminhos para moralizar a relação entre os médicos e laboratórios, especialmente nos congressos científicos, é que as sociedades obriguem os filiados a manifestarem o conflito de interesse em suas apresentações.
"Existe um misto de cenários: há laboratórios e médicos com posturas éticas e não-éticas. Não dá para generalizar. Há gente séria na indústria farmacêutica."
O médico José Erivalder Guimarães de Oliveira, 53, secretário-geral da Federação Nacional dos Médicos, considera que apenas uma minoria de médicos, os formadores de opinião, ligados às universidades, sofra assédio direto da indústria farmacêutica. "A grande maioria recebe, no máximo, o propagandista em seu consultório", afirma.
Mas nem por isso deixam de ser influenciados. Na falta de educação continuada oferecida pelos gestores de saúde e empresas de medicina de grupo, explica Oliveira, muitos médicos se valem dos propagandistas como forma de se atualizar.
Em setembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deve colocar em consulta pública uma nova resolução em que pretende apertar o cerco ao assédio exercido pelos propagandistas nos consultórios médicos. A idéia é editar, entre outros pontos, regras mais claras em relação à oferta de amostras grátis de medicamentos. (CLÁUDIA COLLUCCI)


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