São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"O único hospital especializado que..."



Uma simples vírgula antes do pronome relativo "que" pode mudar completamente o sentido de uma frase


O SISTEMA DE saúde vai mal. Depois de Alagoas e da Paraíba, é o Ceará que mergulha na crise. Um jornal informa que "o único hospital de Fortaleza especializado em doenças cardíacas que atende pelo SUS está superlotado".
Pois bem. Suponha que a informação do jornal faça parte de uma questão sobre compreensão de texto. Diga qual destas duas afirmações é verdadeira: a) Em Fortaleza só há um hospital especializado em doenças cardíacas; b) Em Fortaleza, só há um hospital que atende pelo SUS.
Qual é a resposta? Nenhuma delas. As duas são falsas, caro leitor. Volte ao primeiro parágrafo e releia o trecho em questão, com especial atenção para a pontuação empregada. Releu? O que se informa é que: a) em Fortaleza, apenas um dos hospitais especializados em doenças cardíacas atende pelo SUS; b) esse hospital está superlotado. Percebeu por que são falsas as duas afirmações da nossa suposta prova de texto?
Agora compare a informação do jornal com esta: "O único hospital de Fortaleza especializado em doenças cardíacas, que atende pelo SUS, está superlotado". Que muda com as vírgulas empregadas na segunda construção? Ou será que essas vírgulas não fazem nenhuma diferença?
Fazem, sim, e como! Lembra-se daquela história de restringir e de generalizar? Pois é aí que entra o papel dessas vírgulas. Quando se escreve algo como "Os motoristas brasileiros que não sabem como se deve agir numa rotatória deveriam voltar para a auto-escola", quer-se dizer que deveriam voltar para a auto-escola só os motoristas brasileiros que desconhecem o significado de uma rotatória. Nesse caso, a oração iniciada pelo pronome relativo "que" restringe o universo de motoristas brasileiros que deveriam voltar para a auto-escola. Note que não há vírgula entre o "que" que introduz a oração restritiva e o termo anterior.
Se a oração "que não sabem como se deve agir numa rotatória" fosse separada do termo anterior por vírgula ("Os motoristas brasileiros, que não sabem como se deve agir numa rotatória, deveriam voltar para a auto-escola"), far-se-ia outra afirmação: o motorista brasileiro padrão desconhece o significado de uma rotatória e deveria voltar para a auto-escola. Nesse caso, a oração iniciada pelo relativo "que" não teria caráter restritivo, mas generalizador.
Bem, a decisão sobre como pontuar fica por conta da indigente realidade do nosso trânsito: "Os motoristas brasileiros, que não sabem como se deve agir numa rotatória, deveriam voltar para a auto-escola".
Mas voltemos aos hospitais de Fortaleza. Com vírgula entre o pronome relativo "que" e o termo antecedente ("O único hospital de Fortaleza especializado em doenças cardíacas que atende pelo SUS está superlotado"), não se afirma que em Fortaleza só há um hospital especializado em doenças cardíacas; afirma-se que: a) só um hospital com essa especialização atende pelo SUS; b) esse hospital está superlotado.
E se houver vírgula antes do "que" ("O único hospital de Fortaleza especializado em doenças cardíacas, que atende pelo SUS, está...")? Você já sabe, não? Afirmar-se-á que: a) em Fortaleza só há um hospital especializado em doenças cardíacas; b) esse hospital atende pelo SUS; c) esse hospital está superlotado. É isso.

inculta@uol.com.br

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