São Paulo, domingo, 30 de agosto de 1998

Texto Anterior | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN
Ratinho para presidente

Orientados por especialistas em pesquisas de opinião, alunos do Colégio Positivo, no Paraná, fizeram este mês um teste de ignorância nas ruas de Curitiba.
Note que estamos falando de uma cidade que ostenta um dos mais altos padrões sociais do país.
Eles sabiam que iriam se deparar com asneiras surpreendentes, mas não imaginavam que a surpresa seria tamanha.
Diante de um questionário de múltipla escolha, 23% disseram que a globalização nasceu na sede da Rede de Globo de Televisão, numa estratégia para ganhar audiência.

O Datafolha explica esse resultado exótico.
Pesquisa encontrou que 57% dos brasileiros nunca ouviram falar em globalização; 32% ouviram falar, mas não sabem o que é.
Só 6% deram resposta correta sobre um fenômeno que não sai um único dia do noticiário e afeta a rotina de qualquer cidadão, como se viu com a crise nas bolsas, detonada a partir da Rússia.
Explica também algo que, de fato, chamou a atenção popular na semana passada, mais do que a crise financeira: o novo salário de Ratinho.

O empresário Silvio Santos se dispôs a pagar R$ 43 milhões para levar Ratinho ao SBT, onde vai ganhar, no mínimo, R$ 1 milhão mensal.
Raríssimos altos executivos, mesmo nos Estados Unidos, país dez vezes mais rico do que o Brasil, conseguem alcançar tal cifra - a estrela das estrelas do telejornalismo americano (Dan Rather) ganhou reportagens ao faturar US$ 700 mil por mês.
Há um motivo a ser comemorado: ótimo que empregados, graças a seu sucesso, consigam atingir esse monumental patamar num reconhecimento ao talento.
Mas, no caso de Ratinho, não há nada a comemorar.
Por trás do salário milionário, está um extraordinário fracasso, pilotado habilmente pelos donos de veículos de comunicação.
É mais uma vitória da ignorância.

Impossível deixar de relacionar o sucesso de Ratinho ao fracasso da escolaridade brasileira.
Difícil dizer que vivemos numa democracia com um grau de desinformação tão pornográfico.
O Vox Populi perguntou quem é o ministro da Fazenda. Só 9% disseram Pedro Malan.
Apenas 4% souberam dizer que Paulo Renato de Souza, o ministro mais badalado do governo Fernando Henrique, é ministro da Educação.
Metade não sabia que Pelé entrou no governo federal para cuidar dos Esportes.

A imensa maioria não percebe conceitos básicos da vida pública.
Os alunos do Colégio Positivo fizeram, de propósito, uma pergunta absurda: "Que você acha da idéia de privatizar o governo brasileiro".
Quase 70% responderam sem se dar conta da estupidez da questão.
Desse total, 44% concordaram com a idéia de privatizar o governo.
Ratinho é um magnífico sintoma - fenômeno que ajuda a entender porque políticos tão transparentemente enganadores prosperam por tanto tempo.
São Paulo está, nesse momento, oferecendo um exemplo definitivo.

O candidato favorito, até agora, ao governo de São Paulo se chama Francisco Rossi.
Seu slogan é "Chega dos mesmos". Reproduzindo o estilo Collor, ao dizer que é uma cara nova da política.
A empulhação se constataria na leitura de sua biografia, fartamente divulgada pelos jornais.
A "cara nova" já foi duas vezes prefeito de Osasco, secretário de Paulo Maluf, coordenador da campanha de Collor.
Religioso, ele se atribui dons divinos; chegou a dizer que, com o poder da mente, abria espaço nos congestionamentos para seu carro passar.

Não se conclua que o "povo", como dizia Pelé, não sabe votar.
As grandes empulhações nacionais só prosperaram porque foram amparadas por quem tem dinheiro e se imagina educado.
Aposto, aqui, que se Ratinho fosse lançado para presidente iria empolgar boa parcela do eleitorado - exatamente como ocorreu com seu patrão, Silvio Santos, cujo espírito público é tamanho que desmonta programas de jornalismo e remunera com milhões a baixaria.

PS - É ótima a idéia de abrir espaço gratuito aos candidatos exporem na televisão seus programas, numa tentativa de inibir o poder econômico. Um notável avanço democrático.
Mas o cinismo generalizado que, erradamente, coloca num mesmo nível todos os políticos, acaba dificultando o aumento da politização.
Num levantamento realizado na semana passada em todo o país, Vox Populi detectou que só 10% dos eleitores prestam atenção na propaganda eleitoral.
O restante muda de canal, desliga ou simplesmente desconsidera. A praga do marketing pode estar fazendo bem aos candidatos, aos próprios marqueteiros, cada vez mais ricos -mas nenhum avanço trouxe ainda à democracia.

E-mail: gdimen@uol.com.br



Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.