São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE
Objetivo é controlar expansão de cursos rápidos para psicanalistas; sociedade de evangélicos seria alvo principal
Psicanalistas querem controle da profissão

SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

ANDRÉ SINGER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO

A Associação Brasileira de Psicanálise (ABP) discute hoje, em um encontro no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, com representantes de cerca de 20 instituições ligadas ao exercício da psicanálise, uma forma de regulamentar a profissão no país.
A proposta do presidente da ABP, Wilson Amendoeira, é criar um conselho de auto-regulamentação de psicanalistas como o Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) é para os publicitários.
O objetivo, segundo Amendoeira, é combater a expansão de "cursos predatórios com formação simplificada feita por profissionais desconhecidos do meio".
Os evangélicos seriam um dos grupos de maior destaque que patrocinam esses cursos.
"É bom esclarecer uma possível confusão. Normalmente, psicanalistas não costumam ter uma prática religiosa consistente, mas isso pode ocorrer. Eu conheço alguns muito bons que têm essa prática", declara Amendoeira.
O Conselho Federal de Medicina e o Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, são algumas das entidades envolvidas na discussão da ABP. Em junho, foi realizado o primeiro encontro.
A Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (Spob), comandada por evangélicos de várias igrejas, é a que mais chamou a atenção da ABP.
Segundo Amendoeira, "a Spob pratica propaganda enganosa" e atrai gente que desconhece a psicanálise com a promessa de uma formação fácil e rápida. O curso da sociedade dura 20 meses, com aulas uma vez por mês.
De acordo o site da Spob, a sociedade tem 827 psicanalistas formados e 950 em formação.
Amendoeira afirma ainda que a Spob oferece aos alunos uma "inscrição num falso e ilegal Conselho Psicanalítico Regional".
A ABP já entrou com duas representações no Ministério Público contra as iniciativas desse grupo. Agora, a associação está tentando outras vias de combate à sociedade. "O importante é criar um campo psicanalítico comum, que permita enfrentar o problema na sociedade", diz Amendoeira.
A ABP é filiada à International Psychoanalytical Association (IPA), fundada por Sigmund Freud (1856-1934) em 1910.
Pelos padrões da IPA, um psicanalista demora cerca de dez anos para se formar.
Hoje há apenas 980 psicanalistas reconhecidos pela IPA no Brasil, depois de 50 anos de atividade oficial. A primeira sociedade, de São Paulo, foi fundada em 1927, mas só foi oficialmente reconhecida pela IPA em 1951.
Os cursos de psicanálise para pastores já foi alvo de crítica dos próprios evangélicos. Segundo o psicólogo Ageu Heringer Lisboa, do Centro de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), a entidade distribuiu, em 97, dois artigos condenando a prática.
O CPPC é presidido por Uriel Heckert, doutor em psiquiatria e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, e já publicou, em conjunto com a editora Ultimato, o livro "Cartas Freud-Psfister 1909-1939", com tradução de Karen Kepler Wondracek.
"O documento trata dos riscos de formações espúrias, surrealistas e eticamente sofríveis, propostas por sociedades de terapia divina ou de psicologia cristã. Isso subverte uma tradição normativa adotada em todo o mundo", diz Ageu Heringer Lisboa.
Para o psicólogo presbiteriano, os cursos do Sbop "desviam a formação da própria psicanálise e da atividade pastoral".



Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Para diretor, a disputa é questão de mercado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.