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SAÚDE MENTAL
Humberto Costa diz que há "fraude" caso procedimentos para transtornos mentais tenham sido pagos pelo SUS
Ministro manda auditar psicocirurgias
FABIANE LEITE
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O ministro da Saúde, Humberto
Costa, disse ontem em São Paulo
que sua pasta iniciará uma auditoria para investigar se cirurgias
psiquiátricas controversas, que
não são cobertas pelo SUS, foram
feitas indevidamente com dinheiro do governo.
Nos procedimentos, aplicados
para o tratamento de doenças
mentais como a depressão, ocorre
destruição irreversível de partes
do cérebro. Segundo a assessoria
do ministro, o SUS só paga cirurgias como essas em caso de epilepsia, doença neurológica, e desde que a operação seja realizada
em centro cadastrado. "Se isso
aconteceu, é uma fraude. Essas cirurgias não são algo recomendável, necessário para o SUS", afirmou Costa durante evento de lançamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. O ministro é psiquiatra.
Em reportagem publicada pela
Folha no último domingo, neurocirurgiões admitiram fazer os
procedimentos sem o acompanhamento dos conselhos regionais de medicina, o que contraria
resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina).
Disseram ainda que, no caso das
cirurgias feitas pelo sistema público de saúde, são utilizados códigos para cirurgias voltadas para
tratamento de enfermidades como a epilepsia para faturar as cirurgias psiquiátricas pelo SUS
(Sistema Único de Saúde).
De acordo com médicos ouvidos, os códigos usados são os de
"cingulotomia" (operação que
destrói parte do giro do cíngulo,
região do cérebro) e "destruição
de estrutura cerebral profunda".
Os médicos de Goiânia (GO)
disseram fazer cirurgias em clínicas privadas, onde os valores oscilam de R$ 10 mil a R$ 18 mil, principalmente no Instituto Neurológico de Goiânia, entidade privada
cujos sócios-proprietários também são psicocirurgiões.
"O uso dessas cirurgias para a
epilepsia é aceitável. Mas qualquer outro, com o objetivo de
controle de comportamento, é
polêmico. Não concordo", disse o
ministro da Saúde.
Dois relatórios de avaliação de
hospitais psiquiátricos de Goiânia
realizados pelo ministério, em dezembro de 2000, já recomendaram "o não pagamento de psicocirurgias, ou mais especificamente, de procedimentos neurocirúrgicos destinados exclusivamente
ao tratamento de alterações comportamentais, em doenças psiquiátricas primárias, sem danos
orgânicos cerebrais, pelo SUS".
As clínicas da cidade haviam sido vistoriadas em 2000 pela Caravana dos Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, que esteve em 20 instituições manicomiais de sete Estados brasileiros.
Na caravana, os deputados encontraram em Goiás o caso de um
paciente submetido à psicocirurgia: O., cerca de 30 anos. No relatório final da visita, a comissão
narrou: "Esse paciente quedava-se em seu leito sem qualquer expressão e parecia absolutamente
alienado. Vez por outra, jogava-se
no chão e passava a lambê-lo".
Há duas semanas, a Folha localizou por telefone, no assentamento Lagoa da Onça, em Formoso do Araguaia (TO), uma irmã de O. Ela contou que ele continua "muito mal" e teria ameaçado uma tia com um pedaço de
pau, mesmo após a cirurgia, e vive
de internação em internação. Hoje ele estaria em Brasília (DF).
Em abril de 2001, o ministério
recebeu a informação de que médicos de Goiânia pretendiam realizar uma cirurgia num paciente
acometido de esquizofrenia.
O ministério pediu um parecer
sobre o caso ao Ipub (Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Assinado
no dia 27 daquele mês, o parecer
do diretor do órgão, João Ferreira
da Silva Filho, e do psiquiatra Lepoldo Hugo Frota apontou que
faltavam "documentação sobre o
exaurimento das alternativas terapêuticas, descrição clínica minuciosa", "detalhamento e justificativa técnica do procedimento
cirúrgico" e "termo de consentimento informado específico para
a técnica adotada". Assim, o parecer concluiu pela "impropriedade
da indicação".
O parecer, tomado desde então
como referência pelo ministério
em psicocirurgias, também recomenda que os médicos sigam a
resolução 1.408/94, do CFM.
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