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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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SAÚDE MENTAL

Humberto Costa diz que há "fraude" caso procedimentos para transtornos mentais tenham sido pagos pelo SUS

Ministro manda auditar psicocirurgias

FABIANE LEITE
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Saúde, Humberto Costa, disse ontem em São Paulo que sua pasta iniciará uma auditoria para investigar se cirurgias psiquiátricas controversas, que não são cobertas pelo SUS, foram feitas indevidamente com dinheiro do governo.
Nos procedimentos, aplicados para o tratamento de doenças mentais como a depressão, ocorre destruição irreversível de partes do cérebro. Segundo a assessoria do ministro, o SUS só paga cirurgias como essas em caso de epilepsia, doença neurológica, e desde que a operação seja realizada em centro cadastrado. "Se isso aconteceu, é uma fraude. Essas cirurgias não são algo recomendável, necessário para o SUS", afirmou Costa durante evento de lançamento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. O ministro é psiquiatra.
Em reportagem publicada pela Folha no último domingo, neurocirurgiões admitiram fazer os procedimentos sem o acompanhamento dos conselhos regionais de medicina, o que contraria resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina).
Disseram ainda que, no caso das cirurgias feitas pelo sistema público de saúde, são utilizados códigos para cirurgias voltadas para tratamento de enfermidades como a epilepsia para faturar as cirurgias psiquiátricas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
De acordo com médicos ouvidos, os códigos usados são os de "cingulotomia" (operação que destrói parte do giro do cíngulo, região do cérebro) e "destruição de estrutura cerebral profunda".
Os médicos de Goiânia (GO) disseram fazer cirurgias em clínicas privadas, onde os valores oscilam de R$ 10 mil a R$ 18 mil, principalmente no Instituto Neurológico de Goiânia, entidade privada cujos sócios-proprietários também são psicocirurgiões.
"O uso dessas cirurgias para a epilepsia é aceitável. Mas qualquer outro, com o objetivo de controle de comportamento, é polêmico. Não concordo", disse o ministro da Saúde.
Dois relatórios de avaliação de hospitais psiquiátricos de Goiânia realizados pelo ministério, em dezembro de 2000, já recomendaram "o não pagamento de psicocirurgias, ou mais especificamente, de procedimentos neurocirúrgicos destinados exclusivamente ao tratamento de alterações comportamentais, em doenças psiquiátricas primárias, sem danos orgânicos cerebrais, pelo SUS".
As clínicas da cidade haviam sido vistoriadas em 2000 pela Caravana dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que esteve em 20 instituições manicomiais de sete Estados brasileiros.
Na caravana, os deputados encontraram em Goiás o caso de um paciente submetido à psicocirurgia: O., cerca de 30 anos. No relatório final da visita, a comissão narrou: "Esse paciente quedava-se em seu leito sem qualquer expressão e parecia absolutamente alienado. Vez por outra, jogava-se no chão e passava a lambê-lo".
Há duas semanas, a Folha localizou por telefone, no assentamento Lagoa da Onça, em Formoso do Araguaia (TO), uma irmã de O. Ela contou que ele continua "muito mal" e teria ameaçado uma tia com um pedaço de pau, mesmo após a cirurgia, e vive de internação em internação. Hoje ele estaria em Brasília (DF).
Em abril de 2001, o ministério recebeu a informação de que médicos de Goiânia pretendiam realizar uma cirurgia num paciente acometido de esquizofrenia.
O ministério pediu um parecer sobre o caso ao Ipub (Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Assinado no dia 27 daquele mês, o parecer do diretor do órgão, João Ferreira da Silva Filho, e do psiquiatra Lepoldo Hugo Frota apontou que faltavam "documentação sobre o exaurimento das alternativas terapêuticas, descrição clínica minuciosa", "detalhamento e justificativa técnica do procedimento cirúrgico" e "termo de consentimento informado específico para a técnica adotada". Assim, o parecer concluiu pela "impropriedade da indicação".
O parecer, tomado desde então como referência pelo ministério em psicocirurgias, também recomenda que os médicos sigam a resolução 1.408/94, do CFM.


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