São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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SEGURANÇA

Renato de Lima, que ajudou a criar o Sistema Nacional de Estatística, diz que informação é fundamental para planejar ações

Uso de dados melhora polícia, diz sociológo

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O duelo estatístico da campanha do referendo mostrou que, definitivamente, não há consenso sobre os números da violência no Brasil. O sociólogo Renato Sérgio de Lima, 35, um especialista em números sobre o sistema criminal, afirma que a falta de consenso é um dos melhores indicadores de uma das marcas que as estatísticas brasileiras carregam.
Sem aplicação prática, diz, não se cria consenso sobre o dado. "Sem consenso, fica-se no campo da disputa política, na discussão do tipo "o meu dado é melhor que o seu'", afirma.
Longe de ser uma discussão acadêmica, segundo o sociólogo, o modo como os números sobre a violência são tratados têm uma implicação prática. A transparência, na avaliação dele, melhoraria a eficiência da polícia.
Transparência é a idéia central da tese de doutorado que Sérgio de Lima defendeu há duas semanas na USP, "Contando Crimes e Criminosos em São Paulo".
Lima, que ajudou a criar o Sistema Nacional de Estatística do Ministério da Justiça, disse que a divulgação de dados claros é uma das melhores formas de medir a eficiência da polícia ou da Justiça.

Folha - O referendo transformou-se num duelo estatístico. Por que os números foram um dos argumentos centrais desse debate?
Lima -
Num debate político em torno de uma questão tão forte quanto as armas, os números são utilizados no sentido de dar legitimidade ao argumento, no caso do "sim", ou tentando desqualificar os números, no caso do "não". A estatística é uma forma de dar isenção, de tentar criar uma verdade por meio de procedimentos científicos. Há outra discussão: para que a estatística sirva, você precisa saber como ela é produzida. Quando você diz que uma pessoa tem mais chance de morrer vítima de latrocínio estando armada, é fundamental saber como esse número foi produzido.

Folha - Se a questão fundamental é a transparência, por que a história das estatísticas criminais no Brasil é uma história de segredos? Lima - As estatísticas criminais existem no Brasil desde 1878 e foram pensadas como insumo para a burocracia estatal.

Folha - Não eram coletadas para serem aplicadas?
Lima -
Não existia um sentido de uso cotidiano. Isso mostra qual era o sentido que se dava à estatística desde o império, que era o macroplanejamento. As informações serviam mais para um conhecimento geral do problema. A estatística criminal sempre foi vista como um procedimento burocrático. Nunca foi tomada como um elemento para planejar a ação prática da polícia ou da Justiça.

Folha - Por que isso não ocorre?
Lima -
Isso faz parte da história das instituições. Faz parte de uma cultura organizacional -e não é uma cultura apenas brasileira. A história mostra que as estatísticas serviram para um planejamento mais estrutural e menos para o uso cotidiano. Não é reconhecido o valor que a estatística tem para planejar a ação. Isso ocorre porque há uma valorização muito grande de experiências do cotidiano, dos operadores.

Folha - Isso não mudou pelo menos em São Paulo?
Lima -
É verdade. Com a entrada do discurso de direitos humanos no Brasil, a partir dos anos 70 e 80, a questão sobre o uso da informação começa a ser incorporada e isso provoca a entrada do requisito da transparência como algo formalmente colocado. Isso revoluciona o sistema de Justiça criminal, revoluciona as instituições, obrigam-nas a repensar sua forma de produção. Isso de alguma forma é positivo. Antes, um dirigente de uma unidade policial produzia dados para saber o ele precisava usar ou fazer. Hoje os sistemas são públicos, como é o caso da estatística trimestral que a Secretaria de Segurança Pública tem que divulgar. Apesar desse avanço muito grande, temos um grande caminho a ser percorrido. A questão é: o que esses dados significam? Como eles são produzidos? Como você pode utilizá-los? Há um paradoxo, até motivado pela informática: há muita informação, mas, por outro lado, você tem pouca capacidade de coordenação e articulação para transformar essas informações em alguma coisa que seja útil ao planejamento. A transparência acaba tornando-se um requisito formal.

Folha - Mas a polícia não resiste a essa sociologização, vamos chamar assim, do trabalho dela?
Lima -
Qualquer luz que se jogue nas suas práticas vai provocar resistências. Os profissionais de segurança privilegiam a experiência do dia-a-dia, em vez de adotar procedimentos de gestão, de planejamento, de estatística.

Folha - É o império do jeitinho?
Lima -
Para alguns Estados essa frase poderia ser aplicada muito fortemente. A prática de outros países mostra que a informação melhora e a política pública melhora no momento que você tem indicadores que são pactuados com dirigentes e parlamentos.


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