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SEGURANÇA
Renato de Lima, que ajudou a criar o Sistema Nacional de Estatística, diz que informação é fundamental para planejar ações
Uso de dados melhora polícia, diz sociológo
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O duelo estatístico da campanha do referendo mostrou que,
definitivamente, não há consenso
sobre os números da violência no
Brasil. O sociólogo Renato Sérgio
de Lima, 35, um especialista em
números sobre o sistema criminal, afirma que a falta de consenso
é um dos melhores indicadores de
uma das marcas que as estatísticas brasileiras carregam.
Sem aplicação prática, diz, não
se cria consenso sobre o dado.
"Sem consenso, fica-se no campo
da disputa política, na discussão
do tipo "o meu dado é melhor que
o seu'", afirma.
Longe de ser uma discussão
acadêmica, segundo o sociólogo,
o modo como os números sobre a
violência são tratados têm uma
implicação prática. A transparência, na avaliação dele, melhoraria
a eficiência da polícia.
Transparência é a idéia central
da tese de doutorado que Sérgio
de Lima defendeu há duas semanas na USP, "Contando Crimes e
Criminosos em São Paulo".
Lima, que ajudou a criar o Sistema Nacional de Estatística do Ministério da Justiça, disse que a divulgação de dados claros é uma
das melhores formas de medir a
eficiência da polícia ou da Justiça.
Folha - O referendo transformou-se num duelo estatístico. Por que
os números foram um dos argumentos centrais desse debate?
Lima - Num debate político em
torno de uma questão tão forte
quanto as armas, os números são
utilizados no sentido de dar legitimidade ao argumento, no caso do
"sim", ou tentando desqualificar
os números, no caso do "não". A
estatística é uma forma de dar
isenção, de tentar criar uma verdade por meio de procedimentos
científicos. Há outra discussão:
para que a estatística sirva, você
precisa saber como ela é produzida. Quando você diz que uma
pessoa tem mais chance de morrer vítima de latrocínio estando
armada, é fundamental saber como esse número foi produzido.
Folha - Se a questão fundamental
é a transparência, por que a história das estatísticas criminais no
Brasil é uma história de segredos?
Lima - As estatísticas criminais
existem no Brasil desde 1878 e foram pensadas como insumo para
a burocracia estatal.
Folha - Não eram coletadas para
serem aplicadas?
Lima - Não existia um sentido de
uso cotidiano. Isso mostra qual
era o sentido que se dava à estatística desde o império, que era o
macroplanejamento. As informações serviam mais para um conhecimento geral do problema. A
estatística criminal sempre foi vista como um procedimento burocrático. Nunca foi tomada como
um elemento para planejar a ação
prática da polícia ou da Justiça.
Folha - Por que isso não ocorre?
Lima - Isso faz parte da história
das instituições. Faz parte de uma
cultura organizacional -e não é
uma cultura apenas brasileira. A
história mostra que as estatísticas
serviram para um planejamento
mais estrutural e menos para o
uso cotidiano. Não é reconhecido
o valor que a estatística tem para
planejar a ação. Isso ocorre porque há uma valorização muito
grande de experiências do cotidiano, dos operadores.
Folha - Isso não mudou pelo menos em São Paulo?
Lima - É verdade. Com a entrada
do discurso de direitos humanos
no Brasil, a partir dos anos 70 e 80,
a questão sobre o uso da informação começa a ser incorporada e isso provoca a entrada do requisito
da transparência como algo formalmente colocado. Isso revoluciona o sistema de Justiça criminal, revoluciona as instituições,
obrigam-nas a repensar sua forma de produção. Isso de alguma
forma é positivo. Antes, um dirigente de uma unidade policial
produzia dados para saber o ele
precisava usar ou fazer. Hoje os
sistemas são públicos, como é o
caso da estatística trimestral que a
Secretaria de Segurança Pública
tem que divulgar. Apesar desse
avanço muito grande, temos um
grande caminho a ser percorrido.
A questão é: o que esses dados significam? Como eles são produzidos? Como você pode utilizá-los?
Há um paradoxo, até motivado
pela informática: há muita informação, mas, por outro lado, você
tem pouca capacidade de coordenação e articulação para transformar essas informações em alguma coisa que seja útil ao planejamento. A transparência acaba
tornando-se um requisito formal.
Folha - Mas a polícia não resiste a
essa sociologização, vamos chamar
assim, do trabalho dela?
Lima - Qualquer luz que se jogue
nas suas práticas vai provocar resistências. Os profissionais de segurança privilegiam a experiência
do dia-a-dia, em vez de adotar
procedimentos de gestão, de planejamento, de estatística.
Folha - É o império do jeitinho?
Lima - Para alguns Estados essa
frase poderia ser aplicada muito
fortemente. A prática de outros
países mostra que a informação
melhora e a política pública melhora no momento que você tem
indicadores que são pactuados
com dirigentes e parlamentos.
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