São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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ROBERTO PIRES DE JESUS (1975-2011) E ALEX DAMACENO DE SOUZA (1984-2011)

Duas vidas interrompidas na marginal

ESTÊVÃO BERTONI
DE SÃO PAULO

No dia 10 deste mês, Alex Damaceno de Souza, 26, foi contratado pela A Tonanni Construções e Serviços Ltda. Oito dias depois, Roberto Pires de Jesus, 36, conseguiu na empresa que presta serviço para a Prefeitura de São Paulo o mesmo emprego que ele: ajudante de jardinagem, com um salário de R$ 610,40.
Alex, filho de pai pedreiro e mãe desempregada, era natural de São Paulo e morava com os pais e um irmão na Freguesia do Ó (zona norte).
Na mesma região vivia Roberto, um baiano de Ilhéus filho de um motorista e de uma dona de casa. Desde que seu barracão pegou fogo há um ano, morava numa casa de um cômodo no Jd. Carumbé, na Brasilândia, com mulher, três filhos, nora e netinha. Alex, que trabalhara antes montando tubos de papelão, era também pai. Gabriel, o filho, tem quatro anos. Suspeitava que o segundo, de uma "aventura" recente, estivesse a caminho, conta um irmão.
Roberto conheceu a mulher, Marineide, em Ilhéus, quando ela já tinha um filho. Ex-funcionário de uma loja de ferragens, criou o garoto com se fosse seu. Migrou há 15 anos, e nunca mais voltou à Bahia para rever os pais. Alex também não via mais um parente: o irmão gêmeo, Alexandro, que cumpre pena por porte de entorpecentes, foi transferido para o interior.
Extrovertido e alegre, como é descrito pela família, Roberto gostava de funk e reggae. Nos domingos de folga, jogava bola com os amigos.
Alex é visto de forma parecida: um brincalhão que só fazia gracinha. Fã dos rappers Snoop Dogg e Negra Li, adorava andar de bicicleta e ir às peladas no Cingapura.
Nenhum dos dois concluiu os estudos. Ambos tinham apelidos semelhantes: Roberto era chamado de Nego Leco ou Negão; Alex de Nego. O baiano falava em retornar a Ilhéus; o paulistano sonhava em comprar uma casa para mãe e uma motocicleta. Quando os dois conseguiram emprego (para fazer a limpeza dos canteiros da marginal Pinheiros), mostraram às famílias o uniforme novo, com orgulho. Estavam felizes.
Alex e Roberto se conheceram há pouco e ficaram amigos; viviam contando piada.
Na manhã do sábado (22), dia em que Alex completou 12 dias no serviço, e Roberto, quatro, a Hilux dirigida em alta velocidade pelo gerente de banco Fernando Mirabelli, 32, arrastou os dois pela marginal. Segundo a polícia, o motorista admitiu ter bebido. Mirabelli foi solto após pagar fiança de R$ 50 mil, quantia que cada um dos dois só conseguiria juntar depois de quase sete anos de trabalho.
O pai de Roberto, que nunca tinha vindo a São Paulo visitar o filho, pegou um voo correndo para enterrá-lo. A dupla foi sepultada na segunda-feira, no cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, em SP.

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