São Paulo, segunda-feira, 30 de dezembro de 2002

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EDUCAÇÃO

Futuro ministro apóia programa, que deverá custar R$ 500 milhões ao ano, e paga R$ 100 a quem aprender a escrever

Cristovam quer criar "Bolsa Analfabeto"

ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O futuro ministro da Educação, Cristovam Buarque, 58, já fez um cálculo estimado de quanto o governo federal precisará gastar para cumprir uma das metas mais ousadas do programa de governo de Lula: erradicar o analfabetismo em quatro anos. Seriam necessários R$ 500 milhões por ano.
O valor pode ser pouco se comparado ao orçamento do MEC (R$ 17,7 bilhões para o ano que vem), mas essa tarefa não parece tão simples, se for levado em conta o quadro de carência de recursos em setores como o de universidades públicas.
O programa seria feito nos moldes do Bolsa Escola (idéia cuja paternidade é disputada por ele e pelo PSDB). O analfabeto que em três meses conseguisse escrever uma carta receberia R$ 100.
Os alfabetizadores, por sua vez, seriam professores da rede pública. Eles teriam a função de ensinar os adultos em horários extras, ganhando um adicional para isso.
A experiência, defende Cristovam, deu certo no Distrito Federal quando ele foi governador (1995-1998) e será levada ao presidente como uma de suas propostas.

Folha - Os escassos recursos no orçamento não vão impedir que o senhor implemente os projetos que pretende?
Cristovam Buarque-
Cada ministro tem os compromissos de sua pasta, mas todos têm um em comum, que é a estabilidade monetária. Por isso todos devem começar a realizar seus projetos com o orçamento de que dispõem, descobrindo onde há desperdício e corrupção e mobilizando recursos externos ao governo federal, de municípios, Estados e da sociedade civil. Só depois disso é que devemos levar reivindicações ao presidente, enquanto a arrecadação não aumentar.

Folha - O senhor defendeu a criação de um ministério próprio para as universidades, mas foi voto vencido. O ensino superior não será preterido?
Cristovam-
Eu defendo essa idéia de separação do ministério há mais de 15 anos. Sou dono de minhas idéias, mas não das propostas do governo. Percebemos uma forte reação da comunidade universitária contra um ministério próprio. Confesso que não entendi direito essa rejeição, mas, como houve essa reação, esse assunto está fora de questão. Agora, quero deixar a marca do presidente Lula na universidade.

Folha - O que seria essa marca?
Cristovam-
A universidade hoje tem um problema emergencial de falta de recursos. O outro problema não depende de dinheiro, mas sim da formulação de um novo projeto. No mundo todo, a universidade perdeu o compromisso social com os excluídos, se transformando num instrumento de beneficiamento dos incluídos. No caso da universidade pública, somos absolutamente contra a cobrança de mensalidades, mas é preciso lembrar que não existe ensino superior público gratuito. Ele pode ser grátis para o aluno, mas é pago pelo povo.
Em contrapartida, não existe universidade que não pague seus estudos. A pergunta é a quem ela paga. A justiça não está em cobrar mensalidade, mas em cobrar do aluno da universidade que, depois de formado, o seu saber tenha compromisso com o país. Enquanto a universidade não tiver respostas para os problemas da saúde, da habitação e da fome, por exemplo, ela estará em débito. Ela hoje está em débito, apesar de estar fazendo muito com os poucos recursos que recebe.

Folha - Qual a proposta do senhor para cumprir a meta de erradicação do analfabetismo?
Cristovam-
Eu defendo a idéia de pagar aos adultos para se alfabetizarem e usar professores da rede pública, sugestão que me foi dada pela deputada federal Esther Grossi (PT-RS), para serem os alfabetizadores. Esses professores dariam aulas em horas extras e receberiam uma remuneração adicional para isso.
Para alfabetizar todos os analfabetos do Brasil em apenas quatro anos, calculo que serão necessários 50 mil professores. O método de ensino a ser usado deve ser livre. Pode ser o Mova [usado pelo PT na cidade de São Paulo", o Analfabetismo Zero [proposto por Esther Grossi] ou mesmo o utilizado pelo Alfabetização Solidária [programa apoiado pelo atual governo federal].
No Distrito Federal, eu pagava ao analfabeto para ele aprender a ler. Da mesma maneira que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) paga para estudantes formados estudarem um pouco mais, eu comprava, por R$ 100, a primeira carta que o analfabeto escrevesse em sala de aula depois de três meses. Minha idéia é fazer isso no Brasil inteiro. Custaria cerca de R$ 500 milhões por ano.

Folha - O senhor sempre criticou o valor de R$ 15 pago por criança no programa Bolsa Escola. Agora que assumirá o projeto no governo federal, o que pretende fazer?
Cristovam-
Continuo achando que se paga pouco por criança e, pelo que sei, mas que preciso aprofundar, o controle da frequência não é rígido. Até porque fica ridículo tentar controlar a frequência com uma bolsa tão pequena. Temos de tentar mudar, mas isso depende de encontrarmos as fontes para fazermos qualquer aumento.
Estudaremos também a idéia de exigir que a família cuide da saúde da criança, levando ela ao médico. Outra idéia é, a exemplo do que fizemos no Distrito Federal, complementar o Bolsa Escola com um valor que seria colocado em uma poupança em nome do aluno sempre que ele passasse de ano. Ao completar a quarta ou a oitava série do ensino fundamental, ele teria direito a sacar metade do valor. Ao se formar no ensino médio, ele poderia sacar todo o dinheiro da poupança.

Folha - O PT vai mesmo acabar com o Provão?
Cristovam-
Vamos discutir modificações na maneira como o Provão é feito, mas não vamos parar com o processo de avaliações que o ministro Paulo Renato Souza começou. A idéia é até avançar ainda mais. Eu pedirei à equipe que criou o Provão para estudar mecanismos de avaliar a atuação do ministério e dos reitores. Se avaliamos o ministro e o reitor, não tem desculpa para o professor ou o aluno não ser avaliado. O povo tem o direito de saber se o dinheiro que ele põe na universidade está sendo bem usado.
Creio até que estamos atrasados ao ter deixado apenas para o governo essa tarefa. Eu gostaria que a Folha e outros jornais e revistas avaliassem anualmente as universidades, como é prática em outros países. Gostaria de ver todos os jornais envolvidos, até para ter contradições, já que não há nenhuma avaliação totalmente objetiva. Eu peço até que a Folha e outros jornais façam a avaliação também do ministro.

Folha - O senhor terá como missão implementar o sistema de cotas para negros na universidade pública, proposta do PT. Como fazer isso?
Cristovam-
Estou sintonizado com a política de governo de que é preciso mudar a cor da pele das pessoas que estão na universidade para mudar a cor da elite brasileira. Mas percebi, nesses últimos anos, que muitos líderes de movimentos negros são contra as cotas, porque consideram isso uma forma de discriminar. Enquanto não houver uma aceitação da idéia, a gente não pode impor algo que poderia ter um efeito de polarizar um conflito de raças.

Folha - O senhor tem falado em mudar o vestibular. Como fazer isso sem ferir a autonomia das universidades?
Cristovam-
O MEC não vai impor nada. Na UnB [Cristovam foi reitor da Universidade de Brasília], deu muito certo uma experiência em que o aluno fazia um prova ao final do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino médio. Mas isso não pode ser um projeto do MEC para o Brasil. Ele só será implementado se o governo estadual e a universidade estiverem dispostos para, junto com o MEC, financiar os custos desse novo sistema de seleção.


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