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EDUCAÇÃO
Futuro ministro apóia programa, que deverá custar R$ 500 milhões ao ano, e paga R$ 100 a quem aprender a escrever
Cristovam quer criar "Bolsa Analfabeto"
ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O futuro ministro da Educação,
Cristovam Buarque, 58, já fez um
cálculo estimado de quanto o governo federal precisará gastar para cumprir uma das metas mais
ousadas do programa de governo
de Lula: erradicar o analfabetismo
em quatro anos. Seriam necessários R$ 500 milhões por ano.
O valor pode ser pouco se comparado ao orçamento do MEC
(R$ 17,7 bilhões para o ano que
vem), mas essa tarefa não parece
tão simples, se for levado em conta o quadro de carência de recursos em setores como o de universidades públicas.
O programa seria feito nos moldes do Bolsa Escola (idéia cuja paternidade é disputada por ele e pelo PSDB). O analfabeto que em
três meses conseguisse escrever
uma carta receberia R$ 100.
Os alfabetizadores, por sua vez,
seriam professores da rede pública. Eles teriam a função de ensinar
os adultos em horários extras, ganhando um adicional para isso.
A experiência, defende Cristovam, deu certo no Distrito Federal
quando ele foi governador (1995-1998) e será levada ao presidente
como uma de suas propostas.
Folha - Os escassos recursos no
orçamento não vão impedir que o
senhor implemente os projetos
que pretende?
Cristovam Buarque- Cada ministro tem os compromissos de sua
pasta, mas todos têm um em comum, que é a estabilidade monetária. Por isso todos devem começar a realizar seus projetos com o
orçamento de que dispõem, descobrindo onde há desperdício e
corrupção e mobilizando recursos externos ao governo federal,
de municípios, Estados e da sociedade civil. Só depois disso é que
devemos levar reivindicações ao
presidente, enquanto a arrecadação não aumentar.
Folha - O senhor defendeu a criação de um ministério próprio para
as universidades, mas foi voto vencido. O ensino superior não será
preterido?
Cristovam- Eu defendo essa idéia
de separação do ministério há
mais de 15 anos. Sou dono de minhas idéias, mas não das propostas do governo. Percebemos uma
forte reação da comunidade universitária contra um ministério
próprio. Confesso que não entendi direito essa rejeição, mas, como
houve essa reação, esse assunto
está fora de questão. Agora, quero
deixar a marca do presidente Lula
na universidade.
Folha - O que seria essa marca?
Cristovam- A universidade hoje
tem um problema emergencial de
falta de recursos. O outro problema não depende de dinheiro, mas
sim da formulação de um novo
projeto. No mundo todo, a universidade perdeu o compromisso
social com os excluídos, se transformando num instrumento de
beneficiamento dos incluídos. No
caso da universidade pública, somos absolutamente contra a cobrança de mensalidades, mas é
preciso lembrar que não existe
ensino superior público gratuito.
Ele pode ser grátis para o aluno,
mas é pago pelo povo.
Em contrapartida, não existe
universidade que não pague seus
estudos. A pergunta é a quem ela
paga. A justiça não está em cobrar
mensalidade, mas em cobrar do
aluno da universidade que, depois de formado, o seu saber tenha compromisso com o país.
Enquanto a universidade não tiver respostas para os problemas
da saúde, da habitação e da fome,
por exemplo, ela estará em débito.
Ela hoje está em débito, apesar de
estar fazendo muito com os poucos recursos que recebe.
Folha - Qual a proposta do senhor
para cumprir a meta de erradicação do analfabetismo?
Cristovam- Eu defendo a idéia de
pagar aos adultos para se alfabetizarem e usar professores da rede
pública, sugestão que me foi dada
pela deputada federal Esther
Grossi (PT-RS), para serem os alfabetizadores. Esses professores
dariam aulas em horas extras e receberiam uma remuneração adicional para isso.
Para alfabetizar todos os analfabetos do Brasil em apenas quatro
anos, calculo que serão necessários 50 mil professores. O método
de ensino a ser usado deve ser livre. Pode ser o Mova [usado pelo
PT na cidade de São Paulo", o
Analfabetismo Zero [proposto
por Esther Grossi] ou mesmo o
utilizado pelo Alfabetização Solidária [programa apoiado pelo
atual governo federal].
No Distrito Federal, eu pagava
ao analfabeto para ele aprender a
ler. Da mesma maneira que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) paga para estudantes formados estudarem um pouco mais,
eu comprava, por R$ 100, a primeira carta que o analfabeto escrevesse em sala de aula depois de
três meses. Minha idéia é fazer isso no Brasil inteiro. Custaria cerca
de R$ 500 milhões por ano.
Folha - O senhor sempre criticou o
valor de R$ 15 pago por criança no
programa Bolsa Escola. Agora que
assumirá o projeto no governo federal, o que pretende fazer?
Cristovam- Continuo achando
que se paga pouco por criança e,
pelo que sei, mas que preciso
aprofundar, o controle da frequência não é rígido. Até porque
fica ridículo tentar controlar a frequência com uma bolsa tão pequena. Temos de tentar mudar,
mas isso depende de encontrarmos as fontes para fazermos qualquer aumento.
Estudaremos também a idéia de
exigir que a família cuide da saúde
da criança, levando ela ao médico.
Outra idéia é, a exemplo do que fizemos no Distrito Federal, complementar o Bolsa Escola com um
valor que seria colocado em uma
poupança em nome do aluno
sempre que ele passasse de ano.
Ao completar a quarta ou a oitava
série do ensino fundamental, ele
teria direito a sacar metade do valor. Ao se formar no ensino médio, ele poderia sacar todo o dinheiro da poupança.
Folha - O PT vai mesmo acabar
com o Provão?
Cristovam- Vamos discutir modificações na maneira como o
Provão é feito, mas não vamos parar com o processo de avaliações
que o ministro Paulo Renato Souza começou. A idéia é até avançar
ainda mais. Eu pedirei à equipe
que criou o Provão para estudar
mecanismos de avaliar a atuação
do ministério e dos reitores. Se
avaliamos o ministro e o reitor,
não tem desculpa para o professor ou o aluno não ser avaliado. O
povo tem o direito de saber se o
dinheiro que ele põe na universidade está sendo bem usado.
Creio até que estamos atrasados
ao ter deixado apenas para o governo essa tarefa. Eu gostaria que
a Folha e outros jornais e revistas
avaliassem anualmente as universidades, como é prática em outros
países. Gostaria de ver todos os
jornais envolvidos, até para ter
contradições, já que não há nenhuma avaliação totalmente objetiva. Eu peço até que a Folha e
outros jornais façam a avaliação
também do ministro.
Folha - O senhor terá como missão implementar o sistema de cotas para negros na universidade
pública, proposta do PT. Como fazer isso?
Cristovam- Estou sintonizado
com a política de governo de que é
preciso mudar a cor da pele das
pessoas que estão na universidade
para mudar a cor da elite brasileira. Mas percebi, nesses últimos
anos, que muitos líderes de movimentos negros são contra as cotas, porque consideram isso uma
forma de discriminar. Enquanto
não houver uma aceitação da
idéia, a gente não pode impor algo
que poderia ter um efeito de polarizar um conflito de raças.
Folha - O senhor tem falado em
mudar o vestibular. Como fazer isso sem ferir a autonomia das universidades?
Cristovam- O MEC não vai impor nada. Na UnB [Cristovam foi
reitor da Universidade de Brasília], deu muito certo uma experiência em que o aluno fazia um
prova ao final do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino médio. Mas isso não pode ser um
projeto do MEC para o Brasil. Ele
só será implementado se o governo estadual e a universidade estiverem dispostos para, junto com
o MEC, financiar os custos desse
novo sistema de seleção.
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