São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Quando qualquer coisa é qualquer coisa...


Quem se vale de linguagem imprecisa numa situação dessas talvez faça o mesmo em outras situações

PARA O LEITOR QUE ME acompanha há algum tempo não é novidade que não acredito em Réveillon, em ano novo, em alegria com data marcada etc. Também não é novidade que não vou usar branco amanhã à noite, que não comerei arroz com lentilhas, que não irei a Copacabana (muito menos à "festa da virada" da avenida Paulista, de onde, aliás, fugirei -moro a dois passos dela).
Embora não acredite em nada dessas coisas, não resistirei à tentação de fazer os meus pedidos de ano novo, afinal também sou filho de Deus. Um desses pedidos será feito aos queridos colegas jornalistas que insistem em chamar qualquer coisa de qualquer coisa.
Antes de prosseguir, peço ao leitor e aos colegas que notem a ausência de vírgula entre o substantivo "jornalistas" e o pronome relativo "que" no período imediatamente anterior a este. A ausência de vírgula deixa claro que NÃO me refiro a TODOS os jornalistas, mas apenas aos que insistem em chamar qualquer coisa de qualquer coisa.
Vamos a um exemplo do que quero dizer. Nesta quarta-feira, um site dava esta chamada: "Praias do litoral de SP já estão lotadas para o réveillon". Cliquei sobre o título e... E abriu-se a página, em cujo centro havia uma foto, na qual se via uma (uma, apenas uma, nada mais do que uma) moça esparramada numa esteira, tomando sol. Sabe qual era a legenda da foto, caro leitor? Lá vai: "Movimentação de banhistas na praia de Peruíbe, litoral sul de São Paulo, nesta quarta-feira".
Quer dizer que uma moça esparramada (deitada, deitadinha, quietinha, sequinha, enxutinha -nos dois sentidos, por sinal) configura uma cena de "movimentação" de banhistaS (assim, no plural)?
Fui claro, caro leitor? Em outras palavras, quero saber se é possível confiar nesse tipo de jornalismo, visto que quem se vale de linguagem absolutamente imprecisa numa situação dessas (aparentemente banal -uma mera foto sobre notícia comum nesta época do ano, de assunto mais do que requentado) talvez faça o mesmo em qualquer situação. Precisão de linguagem (e, consequentemente, de informação) é precisão de linguagem, não?
Outro exemplo aparentemente inofensivo desse tipo de problema se dá com os nomes de lugares e sua localização. As recentes nevascas e interdições de aeroportos nos Estados Unidos foram prato cheio para isso. Nos jornais e nos sites, não foram poucas as fotos em que o aeroporto de Newark, que fica no Estado de New Jersey, foi dado como localizado na cidade de Nova York, que fica no Estado homônimo, do outro lado rio etc. É fato que esse aeroporto serve essencialmente à população de Nova York, mas dizer que ele fica em Nova York é pouco caso com o rigor da informação. Isso não muda o preço do chuchu na feira do Pacaembu, mas precisão é precisão.
Já que falamos de praia e de aeroportos, o que nos lembra viagens, convém lembrar outro caso do gênero. Chega o fim de semana prolongado e o litoral paulista fica cheio de gente de fora. No fim do feriadão, o rádio e a TV informam: "Acompanhamos o retorno do paulistano. Ainda faltam subir X veículos...". Primeiro, não "faltam subir X veículos"; "falta subirem X veículos" (o que falta é X veículos subirem). Depois, quem disse que, se "desceram X veículos, necessariamente vão subir X veículos"? E o povo que fica por lá, que vai para o litoral sul e volta pela Régis etc.?
Por fim, quem disse que todos os carros que descem a serra são de paulistanos? O pessoal de Guarulhos é paulistano? E o de Osasco, o de Santo André, o de Jundiaí?
Feliz 2011, caros colegas. É isso.

inculta@uol.com.br


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