São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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Professor afirma que a maior discriminação é a racial

DA REPORTAGEM LOCAL

Durante anos, Angelo Barbosa Pereira passou sem ligar diante da Casa dos Expostos, que abriga menores abandonados no Flamengo, Rio de Janeiro. Em abril de 1997, ele decidiu entrar e foi atraído por um menino negro, franzino, debilitado e triste.
Tinha um ano e seis meses, estava ali havia quase um ano, retirado de uma mãe que vivia na rua. Angelo, hoje com 41 anos, homossexual, é professor e tradutor de inglês e alemão. Naquela época, não tinha companheiro, vivia com a babá Ana Paula, que o ajudou a montar o enxoval, arrumou o quarto e o ensinou os primeiros cuidados com o menino.
"Quando tomei o Pedro Paulo no colo, veio a certeza de que tudo aquilo estava para mudar radicalmente minha vida", relata Angelo. Hoje com seis anos, o menino faz aulas de judô, tem acompanhamento terapêutico duas vezes por semana e faz o "jardim" no Centro Educacional Anísio Teixeira (Ceat), em Santa Teresa.
A escola é a mesma onde estuda Chicão, o filho de Cássia Eller e Eugênia.
A história da adoção de Pedro Paulo e o cotidiano de um pai solteiro com um menino que veio da rua e não se parece com ele estão descritos no livro "Retrato em Branco e Preto", que Angelo Pereira lança pela Editora GLS na Bienal do Livro de São Paulo, no final de abril.
O livro relata vários casos de discriminação ocorridos quando o menino sai às ruas com o pai. Quase todos são pelo fato de Pedro Paulo ser negro, nunca pelo fato de o pai ser homossexual, observa o próprio Angelo.
Dentro de casa, o desafio se parece com o de qualquer outro pai, com regras estabelecidas por um lado, teimosia do outro e tentativas de negociação das duas partes. "Pai tem a função de ser pai, o resto é menor", diz ele. "O filho vê o pai sem rótulo, não importa se é médico, borracheiro, homossexual. Se cuidar bem dele e amá-lo, o filho vai adorá-lo."
Antes de ter coragem de entrar na Casa dos Expostos em busca de um filho, Angelo diz que precisou estar convencido de que sua sexualidade não interferiria na formação do filho. E que saberia conduzir bem essa relação, independentemente do que os outros viessem a dizer ou pensar.
Na noite da última quinta-feira, Pedro Paulo, Angelo e o companheiro Marcelo escolhiam juntos fitas de vídeo para os feriados da Páscoa. "Sou um pai dedicado, mas não sou melhor nem pior que os outros pais."
A essa família veio se juntar outro personagem dois anos atrás, a menina Cássia, 6, neta de uma empregada que trabalhou na casa. Como não há quem cuide dela de segunda a sexta, ela virou mais uma da família. "Todos estamos aprendendo", diz Angelo.


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