São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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DIREITOS HUMANOS

Entidade aponta deterioração das cadeias e acusa o governo de não agir contra esse tipo de crime

Anistia vê aumento de tortura em prisões

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Anistia Internacional aponta uma piora na situação das prisões brasileiras no ano passado em relação a 1999. O principal indicador da "deterioração" é o aumento dos casos de tortura nas cadeias, citados em relatório divulgado ontem pela entidade.
A Anistia não tem estatísticas, mas um único caso seria suficiente para sinalizar o aumento da violação dos direitos humanos, segundo Alexandre Guedes, presidente da seção brasileira: os casos de tortura em massa na ala feminina do Cadeião de Pinheiros, na cidade de São Paulo.
Das 675 presas de lá, 70% foram torturadas em 22 de abril deste ano por policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais), de acordo com Isabel Peres, coordenadora-geral da Acat (Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura).
O GOE, grupo considerado de elite na Polícia Civil, fora chamado para conter uma manifestação.
"Quando consegui entrar no presídio, vi o inferno na Terra", diz Isabel. "Tinha presa com a ponta do dedo decepado, com estilhaço de bala no olho, com a cabeça rachada. Vi grávidas que receberam chutes na barriga, vi presas abortando e tuberculosas escarrando sangue."
A Secretaria da Segurança Pública foi informada, mas nenhum policial foi afastado até agora.
O cenário dantesco não é exclusividade do Cadeião de Pinheiros, segundo o presidente da Anistia Internacional no Brasil.
Só neste ano foram encaminhados ao Ministério da Justiça relatos sobre casos de tortura na Cadeia Pública de Americana, em penitenciárias de Avaré e de Presidente Venceslau e em uma delegacia de Carapicuíba, todas no Estado de São Paulo.
Ninguém foi punido até agora. Pesquisa feita pelo Fórum Nacional de Procuradores de Justiça, divulgada ontem pela Anistia Internacional, mostra que a impunidade é a regra no caso de tortura. Ninguém foi condenado entre abril de 1997, quando a tortura passou a ser considerada crime no Brasil, e dezembro de 2000.
Nesse período, os procuradores registraram 258 casos de tortura no país, 56 dos quais foram investigados pela polícia. Desses, só 16 foram julgados e houve uma única condenação. Ocorreu na Bahia, mas não foi por tortura -foi por omissão, segundo Guedes.
A impunidade virou regra no crime de tortura porque, na maioria dos casos, são os próprios policiais que investigam policiais acusados por esse tipo de violência, na avaliação da Anistia.
A melhor maneira de acabar com a impunidade, de acordo com o presidente da Anistia, é colocar o crime de tortura sob a esfera do governo federal, e não dos Estados, como ocorre.
Ele culpa o governo federal pela impunidade porque o presidente Fernando Henrique Cardoso tem maioria no Congresso e, na sua visão, não fez nada para aprovar projeto de lei que transfere para a alçada federal o crime de tortura, apresentado há dois anos.
O Judiciário também colabora com a impunidade, segundo a Anistia, ao tipificar como crime de lesões corporais casos evidentes de tortura. A pena mais leve para lesões corporais só reforça a impunidade, diz Guedes.
O relatório sobre o ano 2000, divulgado ontem em todo o mundo na comemoração dos 40 anos da Anistia, diz que, no Brasil, "a tortura e os maus-tratos foram utilizados rotineiramente tanto pela Polícia Militar, durante as detenções, quanto pela Polícia Civil, nas delegacias superlotadas".
São citados casos de assassinatos praticados por policiais, a ação de esquadrões da morte em pelo menos sete Estados, a violência contra índios e ativistas do direito à terra, os maus-tratos frequentes na Febem e a prática de tortura contra presos em Sorocaba (SP).
A Folha, a TV Cultura, o "Diário Popular" e a Rádio Eldorado receberam um prêmio da Anistia Internacional pelas reportagens em defesa dos direitos humanos.


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