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Prefeitura faz rodízio de morador de rua
Pessoas que deveriam ser reinseridas socialmente são transferidas de albergues; 3.000 poderiam ir para moradias provisórias
Município teria de oferecer albergue, depois uma moradia provisória e, por fim, uma residência definitiva ao morador de rua
Lalo de Almeida/Folha Imagem
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José Gomes Pinheiro, deixa o albergue em Santo Amaro (zona sul), às 7h, onde passou a noite
ROGÉRIO PAGNAN
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-morador de rua José
Gomes Pinheiro, 45, entrou pela primeira vez em um albergue
em 2003. Hoje, seis anos e 19
moradias provisórias depois,
ainda não conseguiu afastar o
risco de voltar a viver nas ruas.
Pinheirinho, como é conhecido, é uma das pessoas que enfrentam um artifício adotado
pela Prefeitura de São Paulo
para burlar a lei criada para resgatá-las das ruas: o rodízio de
pessoas em albergues.
Pela lei 12.316/97, regulamentada em 2001, o município
deve seguir regras para tentar
retirar definitivamente o morador da rua. Além de uma porta de entrada, deve criar, também, uma de saída. Movimentá-las numa escala de ascensão:
oferecer um albergue, depois
uma moradia provisória e, por
fim, uma residência definitiva.
Segundo o município, existem na capital 8.239 albergados. Em 2001, eram 4.843 vagas
em albergues na cidade.
Dos albergados hoje, ao menos 3.000 deles têm condições
de deixar esse estágio inicial e
irem para as moradias provisórias, de acordo com o próprio
município. Estão há mais de
seis meses (alguns há quatro
anos) e com a possibilidade de
sustento próprio, ao menos
parcial. Poderiam progredir,
mas não há, porém, vagas suficientes na cidade para isso.
Pinheirinho diz que deve ser
obrigado a sair, em breve, do albergue onde mora. Deve voltar
para a rua. "Esse sistema não
reintegra ninguém à sociedade", afirma.
Para amenizar o problema, a
prefeitura diz que oferecerá
200 bolsas-aluguel, de R$ 300
mensais cada. É uma "moradia
definitiva" por um prazo determinado.
"Se a pessoa não conseguiu
consertar a vida em 30 anos,
como vai fazer isso em seis meses?", questionou Sebastião Nicomedes de Oliveira, 41, membro de movimento social, dirigindo-se à vice-prefeita e secretária da Assistência Social de
São Paulo, Alda Marco Antonio, em audiência na Câmara
Municipal, na quinta-feira.
Ela também ouviu do ex-albergado Robson César Correia
de Mendonça, 58, líder de outro
movimento social, cobrança
por mais vagas definitivas. "A
gente está cansado de porta de
entrada. Tem porta de Febem,
porta de cadeia, de cemitério,
de albergue. A gente quer é porta de saída", afirmou.
Alda diz que ainda estuda o
que fará com essas 3.000 pessoas com possibilidade de deixar o albergue. Não fala, porém,
em criar novas vagas para moradias provisórias. "Não temos
essas vagas", disse à Folha.
Para tentar acabar com longas permanências em albergues, a prefeitura havia adotado a expulsão compulsória:
quando o morador completasse seis meses na unidade, deveria deixá-la. Era colocado novamente na rua.
O Ministério Público interveio e enviou à prefeitura uma
recomendação, em 2007, para
impedir esse desligamento
compulsório "sem que haja a
oferta em unidades de estágio
superior de reinserção social
ou o efetivo encaminhamento
a alternativas habitacionais definitivas".
Segundo a Promotoria, não
houve mais notícias de desligamentos compulsórios de albergues até agora. Já a Defensoria
Pública diz, porém, que a prefeitura adota esse rodízio.
A comprovação do rodízio
ocorreu numa investigação da
Defensoria, após receber denúncias de albergados. Ela obteve relação de usuários, enviadas por ONGs que gerenciam
os albergues, com uma série de
transferências entre albergues.
O defensor Carlos Henrique
Loureiro, 38, disse agora que
tenta descobrir por que a prefeitura faz isso. "Por ora, a gente tem a comprovação de que
existe esse rodízio" disse.
A Folha teve acesso a documentos que mostram a troca,
em três unidades, de 120 pessoas entre albergues em 2008.
Colaborou JOÃO PAULO GONDIM
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