São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

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Prefeitura faz rodízio de morador de rua

Pessoas que deveriam ser reinseridas socialmente são transferidas de albergues; 3.000 poderiam ir para moradias provisórias

Município teria de oferecer albergue, depois uma moradia provisória e, por fim, uma residência definitiva ao morador de rua

Lalo de Almeida/Folha Imagem
José Gomes Pinheiro, deixa o albergue em Santo Amaro (zona sul), às 7h, onde passou a noite

ROGÉRIO PAGNAN
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-morador de rua José Gomes Pinheiro, 45, entrou pela primeira vez em um albergue em 2003. Hoje, seis anos e 19 moradias provisórias depois, ainda não conseguiu afastar o risco de voltar a viver nas ruas. Pinheirinho, como é conhecido, é uma das pessoas que enfrentam um artifício adotado pela Prefeitura de São Paulo para burlar a lei criada para resgatá-las das ruas: o rodízio de pessoas em albergues.
Pela lei 12.316/97, regulamentada em 2001, o município deve seguir regras para tentar retirar definitivamente o morador da rua. Além de uma porta de entrada, deve criar, também, uma de saída. Movimentá-las numa escala de ascensão: oferecer um albergue, depois uma moradia provisória e, por fim, uma residência definitiva. Segundo o município, existem na capital 8.239 albergados. Em 2001, eram 4.843 vagas em albergues na cidade.
Dos albergados hoje, ao menos 3.000 deles têm condições de deixar esse estágio inicial e irem para as moradias provisórias, de acordo com o próprio município. Estão há mais de seis meses (alguns há quatro anos) e com a possibilidade de sustento próprio, ao menos parcial. Poderiam progredir, mas não há, porém, vagas suficientes na cidade para isso. Pinheirinho diz que deve ser obrigado a sair, em breve, do albergue onde mora. Deve voltar para a rua. "Esse sistema não reintegra ninguém à sociedade", afirma. Para amenizar o problema, a prefeitura diz que oferecerá 200 bolsas-aluguel, de R$ 300 mensais cada. É uma "moradia definitiva" por um prazo determinado.
"Se a pessoa não conseguiu consertar a vida em 30 anos, como vai fazer isso em seis meses?", questionou Sebastião Nicomedes de Oliveira, 41, membro de movimento social, dirigindo-se à vice-prefeita e secretária da Assistência Social de São Paulo, Alda Marco Antonio, em audiência na Câmara Municipal, na quinta-feira. Ela também ouviu do ex-albergado Robson César Correia de Mendonça, 58, líder de outro movimento social, cobrança por mais vagas definitivas. "A gente está cansado de porta de entrada. Tem porta de Febem, porta de cadeia, de cemitério, de albergue. A gente quer é porta de saída", afirmou. Alda diz que ainda estuda o que fará com essas 3.000 pessoas com possibilidade de deixar o albergue. Não fala, porém, em criar novas vagas para moradias provisórias. "Não temos essas vagas", disse à Folha.
Para tentar acabar com longas permanências em albergues, a prefeitura havia adotado a expulsão compulsória: quando o morador completasse seis meses na unidade, deveria deixá-la. Era colocado novamente na rua. O Ministério Público interveio e enviou à prefeitura uma recomendação, em 2007, para impedir esse desligamento compulsório "sem que haja a oferta em unidades de estágio superior de reinserção social ou o efetivo encaminhamento a alternativas habitacionais definitivas". Segundo a Promotoria, não houve mais notícias de desligamentos compulsórios de albergues até agora. Já a Defensoria Pública diz, porém, que a prefeitura adota esse rodízio. A comprovação do rodízio ocorreu numa investigação da Defensoria, após receber denúncias de albergados. Ela obteve relação de usuários, enviadas por ONGs que gerenciam os albergues, com uma série de transferências entre albergues.
O defensor Carlos Henrique Loureiro, 38, disse agora que tenta descobrir por que a prefeitura faz isso. "Por ora, a gente tem a comprovação de que existe esse rodízio" disse. A Folha teve acesso a documentos que mostram a troca, em três unidades, de 120 pessoas entre albergues em 2008.


Colaborou JOÃO PAULO GONDIM


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