São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Próximo Texto | Índice

SEGURANÇA PÚBLICA
Pistolas exportadas legalmente para o Paraguai e o Uruguai voltam ao Brasil e caem nas mãos de criminosos
Arma legal passa para o crime após 4 anos

Ed Viggiani/Folha Imagem
Depósito da polícia, que apreendeu 26 mil armas no ano passado em São Paulo


ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Armas legais caem no crime em menos de quatro anos após serem vendidas com o amparo da legislação brasileira.
É o que aconteceu com cinco pistolas pesquisadas pela Folha a partir de ocorrências de assaltos, sequestros e tráfico de drogas em São Paulo, o maior mercado consumidor de armas do país.
A que menos tempo ficou na legalidade demorou um ano e sete meses até ser apreendida pela polícia com uma quadrilha de assaltantes que tentou um arrastão dentro do Shopping Eldorado (zona sudoeste da capital), no final do mês passado.
O alvo eram joalherias e lojas. O grupo fez 50 reféns, trocou tiros com a polícia e baleou um policial na fuga pelas ruas de São Paulo.
A arma, no caso, é uma pistola nove milímetros, de uso restrito das Forças Armadas, vendida pela Taurus do Brasil para o Shopping China do Paraguai, segundo informou o Exército. A exportação, legal, ocorreu em dezembro de 98.
A segunda das quatro armas recolhidas com os mesmos ladrões presos era um pouco mais velha -dois anos e sete meses. A procedência assusta: a pistola nove milímetros havia sido vendida em novembro de 97 para a Cooperativa de Consumo da Polícia do Paraguai, uma entidade que representa cerca de 10 mil policiais paraguaios e que repassa produtos a preço de custo para os seus associados, inclusive armas.
A cooperativa ficou de pesquisar o destino da pistola no Paraguai na semana que passou, mas não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha.
Os quatro ladrões detidos tinham ainda uma pistola calibre 44 de fabricação israelense, que entrou no país ilegalmente sem a autorização do Exército, e uma submetralhadora com a numeração raspada. Não há como rastrear a origem delas.
Toda arma possui um número de série e um registro, no caso das nacionais e permitidas a civis, no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), criado em 97. Os armamentos importados dependem ainda de autorização do Exército.

Distante
Segundo cadastro das Forças Armadas, a pistola calibre 40 nº SOF 99.698, do mesmo modelo comprado recentemente pelo governo de São Paulo para equipar a Polícia Militar, saiu do país em julho de 96. O destino: Montevidéu, no Uruguai.
Há cinco meses, no entanto, a mesma arma foi apreendida em São Paulo pela Polícia Civil, com o perueiro Romildo Lopes dos Anjos, 21, acusado de traficar drogas em Itaquera (zona leste de São Paulo). A pistola teria de atravessar três Estados até chegar a São Paulo, mas a polícia desconhece o caminho que ela fez. O rastreamento só foi feito posteriormente, por iniciativa do juiz do caso, Edison Aparecido Brandão, da 5ª Vara Criminal da capital.
Em depoimento, Romildo disse que adquiriu a arma de um rapaz desconhecido, em um campo de futebol. Afirmou ainda que precisava se defender de ameaças de morte, por isso a comprou.
O presidente da Taurus, Carlos Alberto Paranhos Murgel, fabricante das pistolas pesquisadas, foi procurado pela Folha na sexta-feira para falar sobre o assunto, mas estava viajando. Ela também preside a Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições.
Não é apenas a arma exportada para países vizinhos que volta como arsenal de criminosos. As legalizadas mostram que o controle das que são legalizadas no país ainda é precário, apesar dos três anos da criação do Sinarm.
Andreia (nome fictício), 21, filha de um empresário paulista, passou 24 horas como refém de sequestradores, sob a mira de uma pistola calibre 380 comprada em uma loja da capital por um policial militar. Até março de 97, a arma estava com o primeiro dono, que a vendeu para um amigo, também policial militar. Foi o segundo PM quem cometeu o sequestro no ano passado.
""O erro do policial foi não ter transferido a arma para o nome do outro. Ele foi investigado e não ficou provada a participação dele no crime", disse o delegado Marcos Carneiro Lima, 42, da Delegacia Anti-Sequestro de São Paulo.
A última pistola pesquisada pela Folha foi vendida em 92 na cidade de Maringá (PR), ao comerciante Antonio Guilherme Bassi. ""Ele viajava muito e queria carregá-la no carro, para proteção", disse o irmão dele, Aloísio Bassi, 48. Guilherme morreu há dois anos em um acidente de carro, sem dizer para quem havia vendido a arma. ""Sei que ele se apertou uma época e a vendeu", afirmou.
A mesma pistola foi usada por sequestradores em março de 99, no cativeiro onde A.L.S., 25, filho de empresário, passou sete dias como refém. Quando a polícia cercou a casa, houve troca de tiros e um dos sequestradores morreu.
No cadastro da Polícia Civil do Paraná e no Sinarm, a arma calibre 380 ainda consta em nome do comerciante que já morreu. ""Pode ter acontecido da delegacia da cidade onde houve o crime não ter nos avisado. O Sinarm é novo e leva um tempo para corrigir as falhas", disse César Augusto Abilhoa, superintendente da Delegacia de Armas do Paraná.


Próximo Texto: Pistola de policial é apreendida
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.