São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



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VIOLÊNCIA
Encontro na Folha discute desarmamento
Armas trazem mais perigo que segurança

da Reportagem Local


O combate aos motivos que levam o cidadão comum a comprar uma arma é tão ou mais importante que a legislação que criminaliza o porte irregular de armas, recém-aprovada, e as campanhas pelo desarmamento.
A opinião foi defendida na última quinta-feira no debate "O Desarmamento no Combate à Violência", promovido pela Folha.
Segundo os debatedores, as pessoas acabam comprando armas baseados em ilusões. Acreditam que armadas vão ter mais segurança, quando na verdade acabam ficando mais sujeitas a ser baleadas.
Para os debatedores, campanhas educativas e a colaboração da mídia ajudariam a informar dos perigos de portar um armamento.
Levantou-se também a necessidade de trabalhos sociais para reduzir a margem de excluídos, foco gerador de violência, e a exigência de um policiamento mais eficaz.
Participaram do debate o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Belisário dos Santos Júnior, o senador Romeu Tuma (PFL-SP), o presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Abram Szajman, e o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Ricardo Cappelli.
A entidade dirigida por Cappelli, por sinal, lançou neste mês uma campanha antiviolência e pelo desarmamento chamada "Sou da paz", que já conseguiu mobilizar intelectuais e artistas pela causa.
A seguir, os principais trechos do debate.

Folha - Eu pediria que cada um fizesse uma exposição do que pensa sobre o desarmamento.
Belisário dos Santos Júnior -
Há alguns mitos que se tornam argumentos a favor do desarmamento. Há o mito da segurança: eu compro a arma para ficar mais seguro. Os dados da UNE, baseados em números da Universidade de São Paulo e do Núcleo de Estudos da Violência, mostram que o uso da arma para a reação é inútil. A cada 16 casos de uso de arma, em 15 o cidadão que a usa sai ferido -gravemente, quando não morto.
Às vezes, compra-se a arma para reagir em virtude de um roubo à residência. Mas o número de furtos e roubos a residências na capital de São Paulo está em queda. Em janeiro de 1994, tivemos 133 roubos a casas. Em dezembro de 96, foram 23. Quanto aos apartamentos, em janeiro de 94 houve dez roubos. Em dezembro de 96, cinco. É um crime controlado e, portanto, não justifica o uso da arma.
O outro mito é o da legítima defesa: eu preciso estar preparado para o ataque que virá. Nós temos que entender que o cidadão, pelo simples fato de comprar a arma, não ganha preparo pessoal. Na realidade, ele está se preparando para atacar outra pessoa.
Mas os dados de pedidos de porte de arma são animadores. Em dezembro de 1994, foram requisitados e deferidos 7.552 portes. A partir de fevereiro de 95, o número praticamente se estabiliza em torno de 650 por mês. Em maio de 1997, reduziu-se a 426. Em junho, caiu para 177. Em julho, para 123 e, até ontem (dia 27), nenhum porte havia sido requerido ou deferido em São Paulo em agosto.
Parece-me que essa lei tem a tendência interessante de diminuir, pelas dificuldades criadas ao cidadão, o requerimento da arma. Restaria ver como é que se comporta a venda paralela de armas.
Por último, chamo a atenção para a questão da educação. Acho que a campanha da UNE serve bastante bem ao desarmamento, é um fator importante para uma alteração de um processo cultural.
Ricardo Cappelli - A campanha (pelo desarmamento) surgiu a partir dos dados levantados pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP. Um estudo feito na zona sul de São Paulo detectou que 70% das mortes de jovens de 16 a 24 anos eram ocasionadas por homicídios. Desses homicídios, 93% são em função de arma de fogo. Detectou ainda que é de jovens também a maior parte dos agressores.
As entidades estudantis, representantes dos estudantes que estão de forma majoritária nessa faixa etária, sentiram-se no dever de levar essa campanha à frente.
Ela tem a pretensão de ser nacional, e mais dois Estados vão assumi-la: na segunda-feira (amanhã), o Paraná, e, na quinta-feira, o Rio de Janeiro. Já instalamos um serviço telefônico, um "disque Sou da Paz", por meio do qual recebemos dezenas de manifestações de adesão, não só por parte de pessoas que querem entregar suas armas, mas também por parte de quem quer colaborar, com doação de adesivos e montando comitês.
Mas a campanha tem duas frentes: a primeira é pedir que as pessoas se desarmem. A segunda é discutir o que está gerando toda essa violência na população e por que os jovens são os que mais praticam e sofrem violência.
Deve ser feita a discussão sobre a questão do emprego, educação, saúde, áreas de lazer para a juventude. Não é por outra razão que estão nas periferias das grandes cidades os mais altos índices de violência. Onde o Estado falta, onde as questões sociais são mais graves, maiores são os índices. Discutir a questão social é fundamental para que a gente não caia no risco de atacar as consequências, enquanto a causa continua intacta.
Abram Szajman - Não faz sentido a população ser quase obrigada a andar armada para defender o que é um direito à vida e à propriedade. Acho que pertence ao Estado a obrigação de defesa do cidadão. O cidadão tem de buscar proteção, mas com outro tipo de arma: uma cobrança intransigente e organizada por sua segurança.
E, efetivamente, sentimos que existem todas essas dificuldades sociais que estamos vivendo: pobreza, miséria, desagregação familiar, falta de educação, de valores de civilidade e de cidadania.
São ingredientes importantes: o sentimento que a população tem de injustiça, os desvios de comportamento, estímulos que ela recebe para praticar atos violentos. O ingrediente ambiental também incentiva a violência: locais sujos, escuros, a população não vê a polícia na rua. O acesso fácil à arma, à bebida e à droga. Claro que nenhum desses elementos isoladamente vai induzir ou produzir a violência, a não ser algum crime passional. Mas eu acredito que existe uma conjugação de vários desses ingredientes e seria importante que a gente agisse sobre eles.
Por exemplo, transformar os centros de recolhimento de menores em escolas profissionalizantes e em microempresas, não com a ajuda da iniciativa privada.
O sistema bancário no Brasil gasta aproximadamente US$ 700 milhões em segurança, que é um número absurdo e que poderia ser destinado à formação das pessoas.
A gente poderia também estimular a formação de uma ética jornalística que não contemple com tanta força o crime e a violência. Todos os jornais, televisões e rádios mostram mais o ato em si da violência que a aplicação da lei, o julgamento daquele que fez alguma coisa errada. O sistema de divulgação poderia colaborar para acabar com esse sentimento de impunidade que revolta o cidadão e estimula o criminoso.
Romeu Tuma - A conscientização do cidadão de que ele não deve e não pode andar armado é importantíssima. Se a ocasião faz o ladrão, o armado faz o homicida.
A sociedade hoje é vítima do medo, prisioneira do medo. E isso traz uma consequência grave.
Você tem que dificultar a venda das armas e não ser tão intransigente no registro. Se você cria dificuldades para o registro e facilidades para a venda, a pessoa fica com a arma na clandestinidade.
Eu pretendi, à época que estava no antigo Dops, que o registro de arma fosse feito lá. Hoje existe o sistema nacional de controle de armas, espero que haja verba permanente para ele, que não paralise na primeira semana.
O Estado tem a obrigação de evitar que a arma chegue ao marginal. Na medida em que o cidadão sabe que a polícia está agindo para protegê-lo, ele não quer saber de arma. Até porque é caro, para comprar e para fazer o registro.
Realmente, essa campanha tem de ser permanente. E que ela abra o leque, não só sob o aspecto do desarmamento, como alguns outros. Ainda ontem, discutimos e foi aprovada na Comissão de Educação a renda mínima vinculada à bolsa de estudos. Quer dizer, as famílias receberão um salário para que o filho vá à escola. Esse é um segmento importante, porque arma é praticamente instrumento de quem gosta e de ignorante que acha que a violência resolve tudo.










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