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VIOLÊNCIA
Encontro na Folha discute desarmamento
Armas trazem mais perigo que segurança
da Reportagem Local
O combate aos
motivos que levam o cidadão
comum a comprar uma arma é
tão ou mais importante que a
legislação que
criminaliza o porte irregular de armas, recém-aprovada, e as campanhas pelo desarmamento.
A opinião foi defendida na última quinta-feira no debate "O Desarmamento no Combate à Violência", promovido pela Folha.
Segundo os debatedores, as pessoas acabam comprando armas
baseados em ilusões. Acreditam
que armadas vão ter mais segurança, quando na verdade acabam ficando mais sujeitas a ser baleadas.
Para os debatedores, campanhas
educativas e a colaboração da mídia ajudariam a informar dos perigos de portar um armamento.
Levantou-se também a necessidade de trabalhos sociais para reduzir a margem de excluídos, foco
gerador de violência, e a exigência
de um policiamento mais eficaz.
Participaram do debate o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Belisário
dos Santos Júnior, o senador Romeu Tuma (PFL-SP), o presidente
da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Abram Szajman, e o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Ricardo Cappelli.
A entidade dirigida por Cappelli,
por sinal, lançou neste mês uma
campanha antiviolência e pelo desarmamento chamada "Sou da
paz", que já conseguiu mobilizar
intelectuais e artistas pela causa.
A seguir, os principais trechos do
debate.
Folha - Eu pediria que cada um
fizesse uma exposição do que pensa sobre o desarmamento.
Belisário dos Santos Júnior - Há
alguns mitos que se tornam argumentos a favor do desarmamento.
Há o mito da segurança: eu compro a arma para ficar mais seguro.
Os dados da UNE, baseados em
números da Universidade de São
Paulo e do Núcleo de Estudos da
Violência, mostram que o uso da
arma para a reação é inútil. A cada
16 casos de uso de arma, em 15 o
cidadão que a usa sai ferido -gravemente, quando não morto.
Às vezes, compra-se a arma para
reagir em virtude de um roubo à
residência. Mas o número de furtos e roubos a residências na capital de São Paulo está em queda. Em
janeiro de 1994, tivemos 133 roubos a casas. Em dezembro de 96,
foram 23. Quanto aos apartamentos, em janeiro de 94 houve dez
roubos. Em dezembro de 96, cinco. É um crime controlado e, portanto, não justifica o uso da arma.
O outro mito é o da legítima defesa: eu preciso estar preparado
para o ataque que virá. Nós temos
que entender que o cidadão, pelo
simples fato de comprar a arma,
não ganha preparo pessoal. Na
realidade, ele está se preparando
para atacar outra pessoa.
Mas os dados de pedidos de porte de arma são animadores. Em dezembro de 1994, foram requisitados e deferidos 7.552 portes. A partir de fevereiro de 95, o número
praticamente se estabiliza em torno de 650 por mês. Em maio de
1997, reduziu-se a 426. Em junho,
caiu para 177. Em julho, para 123 e,
até ontem (dia 27), nenhum porte
havia sido requerido ou deferido
em São Paulo em agosto.
Parece-me que essa lei tem a tendência interessante de diminuir,
pelas dificuldades criadas ao cidadão, o requerimento da arma. Restaria ver como é que se comporta a
venda paralela de armas.
Por último, chamo a atenção para a questão da educação. Acho
que a campanha da UNE serve bastante bem ao desarmamento, é um
fator importante para uma alteração de um processo cultural.
Ricardo Cappelli - A campanha
(pelo desarmamento) surgiu a
partir dos dados levantados pelo
Núcleo de Estudos da Violência da
USP. Um estudo feito na zona sul
de São Paulo detectou que 70% das
mortes de jovens de 16 a 24 anos
eram ocasionadas por homicídios.
Desses homicídios, 93% são em
função de arma de fogo. Detectou
ainda que é de jovens também a
maior parte dos agressores.
As entidades estudantis, representantes dos estudantes que estão
de forma majoritária nessa faixa
etária, sentiram-se no dever de levar essa campanha à frente.
Ela tem a pretensão de ser nacional, e mais dois Estados vão assumi-la: na segunda-feira (amanhã),
o Paraná, e, na quinta-feira, o Rio
de Janeiro. Já instalamos um serviço telefônico, um "disque Sou da
Paz", por meio do qual recebemos
dezenas de manifestações de adesão, não só por parte de pessoas
que querem entregar suas armas,
mas também por parte de quem
quer colaborar, com doação de
adesivos e montando comitês.
Mas a campanha tem duas frentes: a primeira é pedir que as pessoas se desarmem. A segunda é
discutir o que está gerando toda
essa violência na população e por
que os jovens são os que mais praticam e sofrem violência.
Deve ser feita a discussão sobre a
questão do emprego, educação,
saúde, áreas de lazer para a juventude. Não é por outra razão que estão nas periferias das grandes cidades os mais altos índices de violência. Onde o Estado falta, onde as
questões sociais são mais graves,
maiores são os índices. Discutir a
questão social é fundamental para
que a gente não caia no risco de
atacar as consequências, enquanto
a causa continua intacta.
Abram Szajman - Não faz sentido
a população ser quase obrigada a
andar armada para defender o que
é um direito à vida e à propriedade.
Acho que pertence ao Estado a
obrigação de defesa do cidadão. O
cidadão tem de buscar proteção,
mas com outro tipo de arma: uma
cobrança intransigente e organizada por sua segurança.
E, efetivamente, sentimos que
existem todas essas dificuldades
sociais que estamos vivendo: pobreza, miséria, desagregação familiar, falta de educação, de valores
de civilidade e de cidadania.
São ingredientes importantes: o
sentimento que a população tem
de injustiça, os desvios de comportamento, estímulos que ela recebe para praticar atos violentos.
O ingrediente ambiental também
incentiva a violência: locais sujos,
escuros, a população não vê a polícia na rua. O acesso fácil à arma, à
bebida e à droga. Claro que nenhum desses elementos isoladamente vai induzir ou produzir a
violência, a não ser algum crime
passional. Mas eu acredito que
existe uma conjugação de vários
desses ingredientes e seria importante que a gente agisse sobre eles.
Por exemplo, transformar os
centros de recolhimento de menores em escolas profissionalizantes
e em microempresas, não com a
ajuda da iniciativa privada.
O sistema bancário no Brasil gasta aproximadamente US$ 700 milhões em segurança, que é um número absurdo e que poderia ser
destinado à formação das pessoas.
A gente poderia também estimular a formação de uma ética jornalística que não contemple com
tanta força o crime e a violência.
Todos os jornais, televisões e rádios mostram mais o ato em si da
violência que a aplicação da lei, o
julgamento daquele que fez alguma coisa errada. O sistema de divulgação poderia colaborar para
acabar com esse sentimento de impunidade que revolta o cidadão e
estimula o criminoso.
Romeu Tuma - A conscientização
do cidadão de que ele não deve e
não pode andar armado é importantíssima. Se a ocasião faz o ladrão, o armado faz o homicida.
A sociedade hoje é vítima do medo, prisioneira do medo. E isso traz
uma consequência grave.
Você tem que dificultar a venda
das armas e não ser tão intransigente no registro. Se você cria dificuldades para o registro e facilidades para a venda, a pessoa fica
com a arma na clandestinidade.
Eu pretendi, à época que estava
no antigo Dops, que o registro de
arma fosse feito lá. Hoje existe o
sistema nacional de controle de armas, espero que haja verba permanente para ele, que não paralise na primeira semana.
O Estado tem a obrigação de evitar que a arma chegue ao marginal. Na medida em que o cidadão
sabe que a polícia está agindo para protegê-lo, ele não quer saber
de arma. Até porque é caro, para
comprar e para fazer o registro.
Realmente, essa campanha tem
de ser permanente. E que ela abra
o leque, não só sob o aspecto do
desarmamento, como alguns outros. Ainda ontem, discutimos e foi
aprovada na Comissão de Educação a renda mínima vinculada à
bolsa de estudos. Quer dizer, as famílias receberão um salário para
que o filho vá à escola. Esse é um
segmento importante, porque arma é praticamente instrumento de
quem gosta e de ignorante que
acha que a violência resolve tudo.
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