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Assédio sexual "desmonta" Juliana
da Reportagem Local
Uma moça que mal deixou a
adolescência tem condições de vigiar rapazes com idades entre 16 e
21 anos, autores de crimes classificados como "graves" e "gravíssimos"? A Febem julga que sim.
Por acreditar no improvável,
contratou Juliana em setembro de
1995. A jovem paranaense acabara de completar 20 anos. Depois
de um treinamento de três dias, se
tornou monitora do complexo do
Tatuapé (zona sudeste de SP), que
possui capacidade para 900 infratores, embora abrigue 1.360.
Hoje, Juliana continua na mesma função, mas não vai trabalhar
desde junho. Recebeu licença médica por sofrer de depressão aguda e síndrome do pânico.
Não sai de casa desacompanhada: teme cruzar pelas ruas com
ex-internos do Tatuapé ("graças a
Deus, nunca cruzei"). Só dorme
de dia. Atravessa as noites escutando barulhos inexistentes.
O que mais a entristece, porém,
é não cuidar da filha como gostaria. Por causa do nervosismo
constante, costuma se irritar com
a menina de 2 anos.
O marido, taxista, também paga
as consequências. No fim de 1998,
cansado das brigas conjugais,
abandonou a casa da família
-um sobrado de três dormitórios, em Guarulhos (SP). Voltou
há cinco meses, mas evita conversar com a mulher sobre a Febem.
Antes de virar monitora, Juliana
teve dois empregos: recepcionista
de uma imobiliária e auxiliar de
compra e venda de telefones. Soube pelo jornal da vaga no Tatuapé.
Interessou-se em prestar o concurso porque ofereciam salário
maior do que ganhava. "E porque
aceitaram a minha escolaridade,
segundo grau incompleto."
Passou nas provas e fez o treinamento. "Treinamento é modo de
dizer. Durante três dias, ouvimos
palestras de funcionários administrativos e participamos de jogos pedagógicos. Pintaram um
mundo maravilhoso para nós,
um conto da carochinha. Se falassem a verdade, ninguém ficaria."
A verdade: Juliana, que até
aquele momento nunca imaginara lidar com infratores, de repente
se viu num pátio rodeada por jovens acusados de assalto, estupro,
sequestro e homicídio (os tais crimes que a Febem qualifica de
"graves" e "gravíssimos").
"Eram uns 80 internos para 6
monitores." Só que, às vezes, "faltava pessoal", e Juliana zelava sozinha por 60 rapazes. "Eu e eles no
pátio, tente visualizar a cena. Eles
lá, e eu cá, pensando: se quiserem,
me destroem." Punha-se, então, a
rezar calada, "mas sem tirar os
olhos dos meninos, sem lhes dar
as costas e, principalmente, sem
demonstrar medo".
Nos primeiros 18 meses, não enfrentou problemas mais sérios.
"O clima ainda não pesava muito.
Dava para jogar vôlei e xadrez
com os garotos, para organizar
festas de Páscoa, Natal, Ano Novo." Naquele tempo, também havia "os porretes". Pedaços de pau
que os monitores embrulhavam
em sacos plásticos e guardavam
"numa sala bem fechada, junto do
material de limpeza".
Quando pipocavam ameaças de
rebelião, os funcionários "abriam
os sacos" para resgatar a ordem.
"Mas veja bem: usávamos os porretes somente em situações de extremo perigo."
A partir de 1997, no entanto, o
cenário mudou. Padres, juízes e
promotores ("a turma dos direitos humanos") passaram a visitar
o complexo com mais frequência.
"Recolheram os porretes e proibiram que aplicássemos qualquer
castigo contra os internos. Resultado: os meninos ganharam confiança e perderam o respeito."
Deixaram, primeiro, de tratar
Juliana por "senhora". Depois,
começaram a lhe dirigir gracinhas: "Você está demais hoje".
Um dos garotos, de 16 anos, inventou que transara com a monitora dentro do banheiro. Espalhou a mentira, e o nome de Juliana apareceu escrito nas paredes
dos dormitórios e nos beliches.
"Recebia cartas anônimas, com
declarações de amor. Se passasse
perto do campo de futebol, os rapazes interrompiam o jogo para
me xingar. Tentei trabalhar por
um tempo em funções burocráticas, longe do pátio. Não adiantou.
Os meninos se aproximavam do
escritório e me ofendiam. Faziam
ameaças: "O mundão é pequeno;
cedo ou tarde, a gente te pega"."
No início de 1999, muito abalada, Juliana pensou em pedir demissão. "Desisti porque não achei
nada com salário parecido. Infelizmente, preciso do dinheiro
-ainda não saldamos o financiamento de nossa casa."
Há poucos meses, atendeu os
conselhos da mãe e buscou ajuda
psiquiátrica. "Consegui licença
médica, mas não me livrei da angústia. Queria ter coragem de largar tudo. Sonho mesmo é em
abrir uma loja de cosméticos e esquecer que, um dia, me meti nesse pesadelo."
(AA)
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