São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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WALTER CENEVIVA

O CNJ e as estatísticas


A média do CNJ é boa, muito embora não tenha preservado o direito de defesa de pessoas atingidas por suas decisões

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou, na semana passada, a informação de que pelo menos 5 milhões de processos que já foram encerrados ainda engrossam o acervo dos tribunais brasileiros, como se fossem questões em andamento.
Não foram ainda "baixados", conforme se diz no jargão administrativo, ou seja, continuam a mostrar índices falsos, dando a impressão de que subsiste a pesada carga de serviço que continuam a representar.
Não há motivo para duvidar da informação do CNJ, até porque o Judiciário não tem -ou, ao menos, não teve até tempos recentes- estatísticas confiáveis. A deficiência é apenas numérica, quando os números compilados dizem de processos em andamento sem pormenores com referência à espécie das questões discutidas.
O primeiro exemplo é de ações na área dos direitos de família e das sucessões. Muitas delas terminam com pouca ou nenhuma interferência do juiz, até porque parte desses processos passou a ser atribuída aos notários, em soluções extrajudiciais para as partes.
Outro exemplo está nas varas da Fazenda Pública, com execuções propostas por prefeituras, por Estados e pela União, contra devedores de impostos, taxas e contribuições. É usual que o devedor, uma vez citado, dirija-se aos órgãos administrativos para saldar a dívida ou para parcelar, resolvendo o caso.
Tudo se faz em fórmulas impressas, nas quais o Poder Judiciário funciona como braço eficaz dos interesses do Executivo, acolhendo o pedido inicial, dando andamento, até que a questão se esgote por si mesma. Nesse campo, a revelação da verdade estatística pelo CNJ contribui para o aprimoramento administrativo-judicial, dos serviços.
Defendi a criação do órgão, quando se falou dele pela primeira vez, até a votação da Emenda Constitucional número 45, de 2004, que deu redação ao artigo 103-B da Constituição. A média dos resultados do CNJ é boa, muito embora tenha cometido erros ao não preservar adequadamente o direito de defesa de pessoas atingidas por suas decisões.
A queixa de tribunais estaduais, de que sua autonomia constitucional vem sendo violada pelo CNJ, é mais difícil de explicar em poucas palavras. O artigo 103-B da Constituição, no parágrafo 4º, atribui aos 15 membros do CNJ competência para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário como um todo e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Têm, além de outras atribuições, as indicadas nos sete incisos do mesmo parágrafo, salvo aquelas que a própria Carta exclui.
Tais competências, tomadas em sentido absoluto, levariam a um confronto com as normas administrativas de tribunais federais regionais e do trabalho, e de tribunais estaduais, previstas na mesma Carta Magna. Não há como discuti-las aqui, no espaço disponível.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não emitir julgado definitivo a respeito, os interessados, situados em polos opostos, terão carradas de argumento pró e contra.
As cortes regionais e estaduais fazem bem ao defenderem sua autonomia administrativa, mas esbarram nos termos amplos do artigo 103-B. O meio-termo desejável, compatível com o mencionado artigo, levará certamente a uma posição de equilíbrio. Mas, até que este seja alcançado, o duelo dos debates fará bem ao povo.


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