|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ONG reduz mortalidade infantil à metade
Medidas sanitárias simples, como soro caseiro e água clorada, tornaram raros os casos de diarréia em região do Tapajós
Projeto planeja usar postos de internet por satélite para orientar agentes de saúde em tempo real, promovendo "telemedicina na floresta"
DO ENVIADO ESPECIAL A SANTARÉM (PA)
São 11h. O resgate de "um ferido a bala" na comunidade de
Mapiri, a montante no Tapajós,
se revela menos preocupante
do que se imaginava. Os chumbinhos de cartucheira calibre
28 disparados contra as nádegas de Eliseu (nome fictício),
em acidente de caça no dia anterior, não exigem cirurgia.
Eliseu como que se desculpa
pelo ferimento, talvez preocupado com a reação dos visitantes à caça na área da Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns.
"Sabe como é, vida de pobre",
explica-se. "Não é todo dia que
tem o conforto", diz, referindo-se à carne vermelha.
Desfeita a comoção, prossegue o atendimento no Abaré.
Caetano Scannavino Filho,
coordenador do Projeto Saúde
e Alegria (PSA), lidera um pequeno grupo que desembarca a
seguir em Suruacá. A idéia é conhecer, concretamente, como
foi possível baixar à metade a
mortalidade infantil na região.
A queda no indicador foi verificada por José de Jesus Sousa
Lemos, da Universidade Federal do Ceará, em diagnóstico
realizado para o PSA em 2000.
Fora das regiões alcançadas pelo projeto, a taxa de mortalidade até 1 ano era de 52 crianças
por mil nascidas vivas. Nas
áreas atendidas, 27 por mil.
É uma cifra similar à média
brasileira de hoje (26,6/mil) e
inferior à daquele ano (30,1/
mil). Ainda assim, 15,7% dos
óbitos registrados entre ribeirinhos são de crianças até 1 ano.
Em terra, após passar por um
dos quatro telecentros (internet por satélite alimentada
com painéis solares) montados
pelo PSA na região, o grupo
chega à primeira caixa-d'água
da localidade. Foi instalada 12
anos antes, com recursos da
Fundação Konrad Adenauer,
da Alemanha, mas está prestes
a ser substituída.
Suruacá quer crescer. Todas
as casas têm água encanada, pela qual cada família paga R$ 15
mensais. Novos moradores
continuam a chegar e a nascer,
porém. São hoje 110 famílias.
A nova caixa-d'água está sendo erguida a cerca de um quilômetro dali. Uma bomba movida
por energia solar acionará o poço de 60 metros, eliminando o
custo do gerador do sistema antigo. Em outras palavras, a conta de água deve baixar.
Tratar saúde, não doença
Higiene e condições sanitárias ocupam o centro da atuação do PSA. "Sempre quis trabalhar com saúde, não com
doença", resume o médico infectologista Eugenio Scannavino Neto, idealizador -com a
arte-educadora Márcia Gama,
sua mulher na época- do PSA,
para o qual atraiu depois seu irmão mais novo, Caetano.
A tradição local de gincanas e
circos mambembes foi reinventada pela ONG no Gran Circo Mocorongo. O espetáculo
era montado com a comunidade em cada local visitado. Esquetes rápidos e simples, para
ensinar coisas como escovar os
dentes. Uma forma de pôr em
prática o lema do grupo: "Saúde, alegria do corpo; alegria,
saúde da alma".
Ao lado da educação pelo circo, montou-se ao longo dos
anos uma rede de agentes comunitários (hoje funcionários
das prefeituras) e outra de radioamadores. Cada uma tem
hoje cerca de 70 integrantes.
Além de organizar o cuidado
básico à população, essas redes
servem para acelerar remoções
de urgência. A comunicação rápida é crucial numa paisagem
em que mesmo de voadeira podem ser necessárias mais de
seis horas para alcançar um
hospital em Santarém. A voadeira adaptada pelo PSA ganhou o nome de ambulancha.
A rede de telecentros em formação também será usada com
esse objetivo. Por meio de webcams e sistemas de voz, a idéia é
pôr agentes de saúde em contato direto com médicos, à distância, para orientação em
tempo real. "Telemedicina na
floresta", entusiasma-se Caetano Scannavino.
A base do trabalho, porém,
são medidas mais simples. Por
exemplo, soro caseiro (sal e
açúcar na proporção certa) e
hipoclorito para tratar a água
de beber, fabricado localmente
com ajuda de células solares.
Ou, então, filtros e as chamadas
"pedras sanitárias" -piso de cimento para impermeabilizar
corretamente as fossas sanitárias, ao custo de R$ 5 a unidade.
Nos locais onde começou o
PSA, quase todas as famílias
contam com água de poço tratada com cloro e usam filtros.
Com esse cerco à contaminação pela água, os casos de diarréia foram escasseando. "Já sabemos o que tem de fazer", afirma Eugenio Scannavino. "Tem
solução para tudo na Amazônia."
(ML)
Texto Anterior: Perfil 2: Infectologista levanta fundos para ONG em SP Próximo Texto: No 4º dia de ataques, delegacia é roubada Índice
|