São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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ONG reduz mortalidade infantil à metade

Medidas sanitárias simples, como soro caseiro e água clorada, tornaram raros os casos de diarréia em região do Tapajós

Projeto planeja usar postos de internet por satélite para orientar agentes de saúde em tempo real, promovendo "telemedicina na floresta"

DO ENVIADO ESPECIAL A SANTARÉM (PA)

São 11h. O resgate de "um ferido a bala" na comunidade de Mapiri, a montante no Tapajós, se revela menos preocupante do que se imaginava. Os chumbinhos de cartucheira calibre 28 disparados contra as nádegas de Eliseu (nome fictício), em acidente de caça no dia anterior, não exigem cirurgia.
Eliseu como que se desculpa pelo ferimento, talvez preocupado com a reação dos visitantes à caça na área da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. "Sabe como é, vida de pobre", explica-se. "Não é todo dia que tem o conforto", diz, referindo-se à carne vermelha.
Desfeita a comoção, prossegue o atendimento no Abaré. Caetano Scannavino Filho, coordenador do Projeto Saúde e Alegria (PSA), lidera um pequeno grupo que desembarca a seguir em Suruacá. A idéia é conhecer, concretamente, como foi possível baixar à metade a mortalidade infantil na região.
A queda no indicador foi verificada por José de Jesus Sousa Lemos, da Universidade Federal do Ceará, em diagnóstico realizado para o PSA em 2000. Fora das regiões alcançadas pelo projeto, a taxa de mortalidade até 1 ano era de 52 crianças por mil nascidas vivas. Nas áreas atendidas, 27 por mil.
É uma cifra similar à média brasileira de hoje (26,6/mil) e inferior à daquele ano (30,1/ mil). Ainda assim, 15,7% dos óbitos registrados entre ribeirinhos são de crianças até 1 ano.
Em terra, após passar por um dos quatro telecentros (internet por satélite alimentada com painéis solares) montados pelo PSA na região, o grupo chega à primeira caixa-d'água da localidade. Foi instalada 12 anos antes, com recursos da Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, mas está prestes a ser substituída.
Suruacá quer crescer. Todas as casas têm água encanada, pela qual cada família paga R$ 15 mensais. Novos moradores continuam a chegar e a nascer, porém. São hoje 110 famílias.
A nova caixa-d'água está sendo erguida a cerca de um quilômetro dali. Uma bomba movida por energia solar acionará o poço de 60 metros, eliminando o custo do gerador do sistema antigo. Em outras palavras, a conta de água deve baixar.

Tratar saúde, não doença
Higiene e condições sanitárias ocupam o centro da atuação do PSA. "Sempre quis trabalhar com saúde, não com doença", resume o médico infectologista Eugenio Scannavino Neto, idealizador -com a arte-educadora Márcia Gama, sua mulher na época- do PSA, para o qual atraiu depois seu irmão mais novo, Caetano.
A tradição local de gincanas e circos mambembes foi reinventada pela ONG no Gran Circo Mocorongo. O espetáculo era montado com a comunidade em cada local visitado. Esquetes rápidos e simples, para ensinar coisas como escovar os dentes. Uma forma de pôr em prática o lema do grupo: "Saúde, alegria do corpo; alegria, saúde da alma".
Ao lado da educação pelo circo, montou-se ao longo dos anos uma rede de agentes comunitários (hoje funcionários das prefeituras) e outra de radioamadores. Cada uma tem hoje cerca de 70 integrantes.
Além de organizar o cuidado básico à população, essas redes servem para acelerar remoções de urgência. A comunicação rápida é crucial numa paisagem em que mesmo de voadeira podem ser necessárias mais de seis horas para alcançar um hospital em Santarém. A voadeira adaptada pelo PSA ganhou o nome de ambulancha.
A rede de telecentros em formação também será usada com esse objetivo. Por meio de webcams e sistemas de voz, a idéia é pôr agentes de saúde em contato direto com médicos, à distância, para orientação em tempo real. "Telemedicina na floresta", entusiasma-se Caetano Scannavino.
A base do trabalho, porém, são medidas mais simples. Por exemplo, soro caseiro (sal e açúcar na proporção certa) e hipoclorito para tratar a água de beber, fabricado localmente com ajuda de células solares. Ou, então, filtros e as chamadas "pedras sanitárias" -piso de cimento para impermeabilizar corretamente as fossas sanitárias, ao custo de R$ 5 a unidade.
Nos locais onde começou o PSA, quase todas as famílias contam com água de poço tratada com cloro e usam filtros. Com esse cerco à contaminação pela água, os casos de diarréia foram escasseando. "Já sabemos o que tem de fazer", afirma Eugenio Scannavino. "Tem solução para tudo na Amazônia." (ML)


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