São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Mauro Paulino e Alessandro Janoni Hernandes

Mesma cabeça, outras sentenças

Mudanças tão expressivas quanto as reveladas só são possíveis no país se forem intensas nos segmentos mais populares

Quase dez anos depois, o Datafolha revela novamente os códigos que determinam as relações na mais valorizada instituição brasileira. A família, nesse período, cresceu em importância, e seu núcleo básico ganhou força. Mas são os valores, especialmente os ligados à sexualidade, que mais apresentam mudanças nesse espaço de tempo. O primeiro contato com esses resultados pode gerar a interpretação de que parte dos brasileiros evolui para o universo do politicamente correto. Classificar dessa forma a tendência chega a soar como uma arrogante projeção de preconceitos. É desconsiderar o caráter espontâneo e sem compromisso da cordialidade do povo brasileiro, idéia desenvolvida pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda no clássico “Raízes do Brasil”.
É claro que o espaço conquistado por tais temas na mídia desperta atenção, mas a opinião que o indivíduo expressa sobre essas questões pode ser fruto da relação entre suas referências pessoais e o ambiente de branda censura, contrário portanto à natureza racional e polida do politicamente correto. O conceito da cordialidade também foi usado como mote de análise em pesquisa do Datafolha sobre o racismo no Brasil, realizada em 1995. Por meio de combinação de variáveis, concluía-se, na época, que existia no país um racismo em grande parte oculto, identificado apenas depois de uma leitura detalhada das variáveis incluídas no estudo. Na ocasião, o geógrafo Milton Santos alertou para a necessidade de observar, além da opinião, o comportamento dos entrevistados em relação ao assunto, como complemento e prova de seus sentimentos. Seguindo o raciocínio, vale buscar, no cenário atual, demonstrações de atitude da população que ilustrem as mudanças detectadas pelo Datafolha.
Indícios da crescente tolerância encontram-se não só no número dos participantes de eventos pela diversidade sexual como também nas suas características. Pesquisa Data-folha realizada na 9ª Parada do Or-gulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bisse-xuais e Trangêneros) na cidade de São Paulo em 2005 mostrou que metade de seus participantes se autoclassificava heterossexual e que ali estava como simpatizante. Alguns valores dos brasileiros mudaram nos últimos dez anos, e essa conclusão torna-se explícita com a comparação de dados entre pesquisas idênticas feitas nos períodos correspondentes. E mudanças tão expressivas quanto as reveladas por esta pesquisa só são possíveis no país se forem intensas nos segmentos mais populares. Afirmar o contrário, sem a comparação dos dados, também pode soar como preconceito. ´ Mauro Paulino e Alessandro Janoni Hernandes, são, respectivamente, diretor geral e diretor de pesquisas do Datafolha.


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