São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Daniel Bergamasco

1 em cada 3 jovens é filho de separados

Na média geral da população, percentual é de 1 para 4; pobres se separam mais que ricos

O escritório de advocacia de Kari-me Costalunga, que atua na área de divórcios e é pesquisadora da Fun-dação Getulio Vargas, está perto de criar um “programa de milhagens”, brinca a advogada. “Muitos clientes nos procuram para se divorciar pela segunda vez. Temos um que nos procurou pela terceira”, conta. O fenômeno que Costalunga observa no dia-a-dia de trabalho é também claro na pesquisa Datafolha. Um terço dos filhos de pais que viveram juntos, de 16 a 25 anos, já passou pela experiência de seus pais terem se separado. São 34% dos meninos e 30% das meninas, sendo que, por algum motivo, mais 10% do total não quiseram ou não souberam responder se os pais estavam ou não juntos.
Na média de todas as idades, o percentual é de 24% –ou seja, aproximadamente uma em cada quatro pessoas no país é filha de um casamento que acabou. “Isso é porque está cada vez mais fácil se separar, em todos os sentidos. O principal é que a mulher, que ajuíza o pedido de divórcio em 75% dos casos, se tornou mais independente. Ela tem seus meios de se sustentar e, muitas vezes, nem quer saber de pensão. Isso foi fundamental para que o número crescesse tanto”, diz a advogada. O número de filhos de pais separados cresce rápido: na pesquisa feita pelo Datafolha em 1998, 78% dos entrevistados diziam que seus pais continuavam casados, contra 65% neste ano de 2007. Também aqui, soma-se a essa fatia um percentual de pessoas que não responderam à pergunta.
Ter pais separados se tornou algo mais comum, mas não propriamente fácil de encarar. “O preconceito contra filhos de pais separados diminuiu muito, mas isso não quer dizer que a separação dos pais seja menos dolorosa hoje em dia”, diz a psicanalista Rosane Mantilla Souza, doutora pela PUC, autora de “Amor, Casamento, Famí-lia, Divórcio... E Depois, Segundo as Crianças” (editora Summus).
Souza diz que o número de divórcios vai se refletir no perfil das futuras famílias. “O fato de o casamento estar desacreditado cria duas conseqüências para as novas gerações. Em primeiro lugar, há um medo de assumir compromisso, porque diminui a expectativa de que o casamento é para sempre. Por outro lado, isso pode criar uma precipitação em se casar, porque o casamento não é visto com tanta seriedade, ou até para tentar provar que aquela relação, sim, pode dar certo.”

Família rica, pais juntos

Na divisão por região do Brasil, 22% dos sulistas têm os pais separados, contra 25% em todas as outras regiões do país. Os filhos dos mais pobres passam mais pela experiência: o percentual é de 25% entre os que têm renda familiar mensal de menos de dez salários mínimos; de 20% entre os que ganham de dez a 20 salários; e de 16% entre os de renda superior a 20 mínimos. É a crise que entra pela porta enquanto o amor sai pela janela, como teoriza o ditado popular? A psicanalista Marilene Krom, doutora pela PUC e professora da Unesp, diz que sim. “A dificuldade de não ter assistência pesa muito na relação, especialmente na hora de ter um filho. Ou seja, cria problemas que a família não teria se fosse mais bem amparada.”
Krom diz que, para evitar prejuízos para os filhos, o casal deve tentar, quando possível, planejar o próprio divórcio. “As pessoas deveriam se preparar para a separação como se preparam para o casamento, com cuidado amoroso salvaguardando o que pode ser resgatado ou preservado. O primeiro aspecto a ser verificado é a necessidade de proteção e o melhor interesse da prole. É fundamental isolar os motivos da separação dos pais que só pertencem ao casal.” Na Escola da Vila, na zona oeste de São Paulo, existe a orientação de evitar constrangimento para os filhos em eventos familiares. A escola já chegou a proibir um ex-casal de ir junto aos encontros, devido a brigas em público constrangedoras.
“É raro, mas isso já aconteceu. A maioria dos pais se dá bem, mas, se está havendo muitas desavenças e isso é ruim para a criança, procuramos chamá-los para conversar e sugerir que não venham mais juntos”, diz a coordenadora pedagógica Fer-nanda Flores. “Em qualquer sala, sempre tem vários filhos de pais separados. Em geral, os pais nos procuram para avisar da separação, para que possamos oferecer o melhor para a criança.

análise

Falta cultura de separação - por Rosely Sayão

A separação conjugal já faz parte da vida da família contemporânea seja como fato, seja como possibilidade. A questão é: como o fenômeno, que se tornou freqüente, atinge a vida dos filhos? Nas décadas de 1960 e 70, estudos científicos a respeito do impacto da separação dos pais na vida de crianças e adolescentes concluíram que os prejuízos à sua formação eram intensos e sérios.
Pesquisas mais recentes passaram a questionar tal certeza, mostrando que, depois de um tempo de sofrimento e adaptação, os filhos conseguem reorganizar suas vidas, alcançam um novo equilíbrio e continuam a se desenvolver e a viver com todo o potencial em ação. Mas de nada servem essas evidências se a maioria ainda acredita que essa possibilidade é mínima, como revela a pesquisa do Datafolha. Parece que as mudanças sociais antecedem as pessoais. A chegada do divórcio permitiu que casais se separassem sem ter de enfrentar os preconceitos usuais da sociedade, e tal fato mudou radicalmente a situação a ser enfrentada pelos filhos. Entretanto, parece que ainda não demos sentido a essa nova realidade, já que insistimos em manter a idéia de que a formação da criança ficará prejudicada.
Falta dar um passo decisivo e deixar de considerar a separação em si prejudicial, inclusive porque a maioria das pessoas não está disposta a abdicar dessa possibilidade. A questão que agora se coloca é a de aprender a se separar –ainda estamos em fase de construção de uma cultura a esse respeito. A maneira como os pais se separam; como passam a se relacionar com o ex-cônjuge e com os filhos; a forma como comunicam a decisão a eles e a continuidade do exercício responsável do papel parental são fatores decisivos, capazes tanto de provocar prejuízos à formação das crianças como de ajudar a reduzir os danos resultantes da separação.
Embora a situação seja difícil para os adultos envolvidos, é preciso usar todos os recursos que a maturidade possibilita para poupar os filhos, o máximo possível, de vivências mais conflituosas e dolorosas do que a que já vivem. Afinal, não foram os filhos que decidiram casar, gerar descendentes e depois dissolver a união. Como muitos costumam dizer aos pais na adolescência, eles não pediram para nascer: foram desejados.

Só 45% pagam pensão

O percentual de homens separados que pagam pensão alimentícia para os filhos é de 45%, revela a pesquisa Datafolha. Para a promotora Vânia Ruffini Balera, coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias Cíveis de São Paulo, o número é baixo porque grande parte das famílias se entende por meio de acordos informais, como fazer com que o pai pague a escola ou compre alimentos para casa.
“Muitos dos que têm esse compromisso acham que ele não conta como pensão, por não ser algo formal. Mas, se é suficiente para a criança, pode ser a melhor saída”, diz ela. “Os casos mais comuns de pais que não pagam pensão são aqueles em que eles não têm contato com as crianças, muitas vezes porque querem.” Eduardo Dias, promotor da Infância e Juventude de São Paulo, diz que, quando a mãe entra na Justiça, a vitória é quase certa, mesmo quando o pai está desempregado. “O juiz decide pelo pagamento, porque a criança precisa se alimentar. Em alguns casos, pode ser decidido pela suspensão do depósito só no período em que o pai não tem emprego, mas isso é raro. Não existe ex-pai e ex-mãe; o que existe é ex-marido e ex-mulher.”
O percentual de homens que paga pensão para a ex-mulher é de 7%. Entre as mulheres, a taxa das que pagam pensão aos filhos é de 1% –em grande parte porque elas, quase sempre, ficam com a guarda. Se somados homens e mulheres, 20% dos brasileiros que têm filhos vivendo com o ex-cônjuge têm o compromisso de pagar pensão alimentícia. Os ricos não são os que mais pagam: na média, 43% dos que ganham de dez a 20 salários mínimos pagam, contra 31% dos que recebem mais de 20 salários.


Texto Anterior: Constituição Familiar: Solidão pesa mais para elas
Próximo Texto: Alta infidelidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.