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À procura de Desirée

Levando comida e um pouco de dinheiro, Teresa Viega, 68, anda toda a cracolândia em busca da nora -grávida e usuária de droga

Luiza Sigulem/Folhapress
Três horas depois, Teresa finalmente encontra Desirée
Três horas depois, Teresa finalmente encontra Desirée

EMILIO SANT’ANNA
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO

Os passos curtos e apressados da gaúcha Teresa Beatriz Viega, 68, já cortaram toda a cracolândia. Houve um tempo em que ela virava as noites à procura do filho, João. Hoje, faz o mesmo em busca de notícias do neto.

Ele ainda nem nasceu, mas já vaga pelo centro de São Paulo na barriga de Desirée, 35, sua nora, viciada em crack, grávida de quatro meses.

A moça já chegou a ficar sumida por semanas, meses. "Não sei nem se esse é o nome verdadeiro dela, mas não vou abandonar."

Analfabeta, Teresa conhece os nomes de cada rua, cada pensão e hotel frequentado por usuários. "Eu saía do serviço e vinha toda noite para cá ver o João. Nem sempre o encontrava, mas que filho não gosta de ver a mãe?"

Teresa é faxineira. Recebe pensão de R$ 622 e R$ 70 por dia de trabalho. Paga R$ 250 num quarto-sala em Pirituba, na zona norte.

O que sobra, conta que vai para o ''jumbo" -lista de produtos de alimentação e higiene que manda todo mês para o filho no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros.

João foi preso pela terceira vez em outubro passado na cracolândia. Desta vez, por suspeita de tráfico. Com ele estavam 19 pedras.

Pouco depois da prisão do filho, soube da gravidez de Desirée. Desde então, sua "missão" é procurar a nora.

"Ela é uma loira alta e está grávida. Está 'judiada', mas é bem bonita", dizia ela a um policial, no domingo, na rua dos Andradas, quando a reportagem a encontrou.

Já fazia dias que Teresa não sabia dela. A operação da Polícia Militar de repressão ao tráfico na região não a deixava dormir. "Sabe o que vai acontecer aqui?", pergunta.

"O mesmo que aconteceu na Candelária [no Rio]. Eles estão indo para longe, não demora para atrapalhar o comércio de alguém [e irritar comerciantes]", ela responde.

Naquela noite, Teresa encontrou Desirée num prédio invadido na av. Prestes Maia. Morena, os cabelos antes loiros são castanhos, resultado da troca de um aplique.

Combinaram de se encontrar na segunda-feira à noite. Teresa queria levar alguma comida para ela. "Se ela comer e se cuidar direitinho, meu neto tem chance de nascer com saúde." Desirée, assim como João, é soropositiva, conta a faxineira.

'VIA CRUCIS'

Ao retornar ao prédio na noite seguinte, como combinado, Desirée não estava mais lá. A Folha acompanhou a nova peregrinação de Teresa.

A faxineira rodou novamente por ruas da cracolândia. Gusmões, Conselheiro Nébias, Helvétia e Guaianases, ninguém sabia dela.

Sacolas nas mãos, Teresa queria entregar três vasilhas de macarrão com molho de tomate e salsicha e R$ 10.

Foram mais de três horas andando pela cracolândia até encontrar a nora. Desta vez, ela estava numa pensão na região da estação da Luz.

Sem disfarçar o choro, Teresa disse que não ia abandoná-la. Prometeu sair da própria casa, em Pirituba, para conseguir pagar um aluguel para a nora, mesmo que precisasse viver em um albergue.

Em resposta, ganhou beijos, carinhos nos cabelos e um longo abraço. Porém, quando questionada pela Folha se iria deixar as drogas, Desirée disparou: "Tenho 35 anos. Estou desde os 12 nessa vida. É difícil largar tudo".

Ao ouvir isso, a faxineira rebateu: "Você vai formar uma família comigo. Vai deixar tudo, sim".

A resposta veio em silêncio e mais um abraço. A única promessa de Desirée é que estará na mesma pensão hoje à noite. Teresa quer levar mais um pouco de comida.

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