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Em tratamento

Nos primeiros dias numa clínica da Grande São Paulo, Lucas e João passam o dia dopados, sempre pedindo cigarros ou qualquer coisa que faça fumaça

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Na terça-feira passada, Lucas e João (os nomes são fictícios), ambos com 17 anos, deram entrada em uma instituição de acolhimento sob os auspícios do poder público.

Eles fazem parte do contingente de 80 dependentes que buscaram voluntariamente o tratamento desde a intervenção da PM na cracolândia em 3 de janeiro.

Chegaram à clínica Conquista em Itapecerica da Serra, espaço da região metropolitana que tem convênio com o Estado, para se somar aos outros 50 dependentes de drogas ou álcool em tratamento no mesmo local.

Passaram boa parte do tempo dormindo ou reclamando do sono, efeito da medicação anticonvulsiva para aplacar crises de ansiedade, compulsão e mudança de humor ocasionadas pela abstinência.

Pediam desesperadamente a monitores que lhes arranjassem cigarros ou qualquer coisa que fizesse fumaça.

SHOPPING CENTER

Lucas conta que foi parar na cracolândia há dois meses. Para financiar o vício, vendia pedras e limpava pára-brisas. Com a primeira atividade, diz que ganhava até R$ 1 mil por noite. Nos semáforos, R$ 60 por dia. Chegou a consumir 40 pedras em 24 h. "Meu negócio era crack e cachaça."

Sua família não sabe de seu paradeiro e ele prefere que seja assim. A mãe, que mora perto do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, também é viciada em crack, explica.

No último dia 3, enquanto aspirava a fumaça do seu cachimbo, viu dois carros da Força Tática encostarem na esquina. "Aquilo não era paranoia: os policiais chegaram quebrando tudo". Fugiu, conseguindo levar o cachimbo.

Após uma perambulação pelas ruas do centro, decidiu procurar atendimento. Hoje, ele diz que quer abandonar o crack e conseguir um emprego no shopping center.

Mas, por uma combinação de fatores, as chances de um final feliz são reduzidas.

A clínica Conquista tem piscina, lago, sala de musculação. Conta com psicólogo, psiquiatra e um cronograma de terapia ocupacional (limpeza, horta) e leitura bíblica (uma Bíblia adaptada, em que histórias como a de Noé aparecem em releitura focada no abandono ao vício).

LOTADO

Um tratamento bem-sucedido costuma levar praticamente dois anos, englobando cuidados clínicos contra a síndrome de abstinência e reinserção social. As chances de sucesso (sem recaída ou abandono) são de 25%.

"A verdade é que todas as vagas ofertadas têm procura", diz José Florentino, da Secretaria Municipal de Participação e Parceria. Em números absolutos, a área de saúde da prefeitura oferece 371 leitos psiquiátricos para dependentes químicos, quase todos preenchidos.

Em unidades de ponta, além do psiquiatra, os pacientes contam com clínicos gerais, dentistas, fisioterapeutas, nutricionistas.

Além dos leitos psiquiátricos oferecidos pela prefeitura, o governo do Estado tem reservados 286 leitos de moradia assistida, ou seja, para acompanhamento após o tratamento clínico, rumo à inserção social, em que questões como a família e o trabalho vêm à tona.

A prefeitura paulistana promete inaugurar seus primeiros leitos de moradia assistida em fevereiro (serão cinco, de um total de 60).

IMPROVISO

Lucas e João não conseguiram os leitos psiquiátricos e acabaram abrigados em uma comunidade de reinserção social. Para receberem o tratamento clínico, têm sido levados ao Caps (Centro de Atenção Psicossocial), da prefeitura, semanalmente.

Só na cracolândia a população é estimada em 600 membros permanentes, somados a 1,8 mil esporádicos. Será que esta conta fecha?

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