Crise da água
Racionamento em SP faz 1 ano e amplia transtornos
Medida do governo para economizar água deixa milhares com torneiras secas
Principais afetados pela redução na pressão na rede de distribuição são famílias de bairros da periferia da capital
Ao longo de 2014, a designer Erika Neves, 29, que mora em Itaquera, na zona leste da capital paulista, se acostumou a uma nova rotina.
Após acordar, ela lava o rosto e escova os dentes com água guardada na noite anterior em garrafas PET. Isso ocorre pois, de manhã, a água das tubulações não tem força para chegar às torneiras do banheiro.
A causa do desabastecimento na casa de Erika tem nome: redução de pressão na rede de abastecimento, nas palavras do governo Geraldo Alckmin (PSDB). Na prática, porém, é um racionamento.
Neste mês, a operação que reduz a força com que a água é enviada às casas completou um ano de transtornos aos moradores da Grande SP, em especial aqueles de bairros altos da periferia e distantes dos reservatórios da Sabesp.
Justificada inicialmente como uma tentativa apenas de reduzir perdas nas tubulações, a operação se transformou na principal ferramenta do governo tucano para economizar água em meio à grave crise de abastecimento.
Ao diminuir a pressão nos encanamentos, a Sabesp "empurra" menos água na rede. Por um lado, reduz os vazamentos. Por outro, deixa casas sem água, em especial as localizadas em pontos altos.
E esse efeito colateral logo apareceu: sem aviso, diariamente milhares de pessoas começaram a ver suas torneiras secas durante horas.
O governo estima que ao menos 200 mil pessoas vivam o problema do desabastecimento de maneira drástica. Os efeitos, porém, atingem um número incontável de pessoas de todas as regiões da cidade. Em maio de 2014, segundo o Datafolha, 35% dos paulistanos afirmaram ter tido o fornecimento de água interrompido no mês anterior. Em fevereiro de 2015, foram 71%.
A manobra faz com que a Sabesp economize 8.000 litros de água por segundo. O bônus na conta de quem economizar, por exemplo, gera economia de 5.000 litros por segundo. Por isso, o feito foi visto pela empresa como uma "economia fabulosa" de água.
O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, ao assumir o cargo, informou que a operação iria ser intensificada ao longo de 2015, trazendo um inevitável "sofrimento" à população.
Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), durante muito tempo a operação era uma medida secreta.
Segundo ele, ela só se tornou pública após as reclamações da população.
"Como você espera colaboração da sociedade se você não é transparente e se não existe uma relação de confiança no que é dito pelo governo?", indaga Oliveira.
Nesta semana, a Sabesp admitiu que reduz a pressão num nível fora do recomendado por normas técnicas.
Questionado sobre o descumprimento, o presidente da Sabesp disse que, em situações em que o direito coletivo está ameaçado, normas devem ser "relativizadas".
Esse descumprimento, que resulta em torneiras secas por toda a cidade, foi classificado pelo governador Geraldo Alckmin de "razoável".
Para o tucano, o "problema" é agravado pelas famílias que não têm caixa-d'água em casa. Mas, das 25 mil caixas prometidas pelo governo no ano passado para famílias de baixa renda, apenas 700 foram entregues até agora.