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Reintegração deixa legião de desabrigados

Operação da PM para retirar famílias de área em São José dos Campos leva moradores a abrigos com estrutura precária

Na região central da cidade, comércio fecha as portas durante manifestação contra a operação da polícia

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Famílias retiradas do Pinheirinho alojadas em ginásio no conjunto habitacional Dom Pedro I, em São José dos Campos
Famílias retiradas do Pinheirinho alojadas em ginásio no conjunto habitacional Dom Pedro I, em São José dos Campos

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma tragédia humanitária. Assim a dona de casa Luiza dos Reis Salatiel, 77, definiu a situação vivida ontem pelos expulsos da invasão Pinheirinho. Na escola Dom Pedro de Alcântara, transformada em abrigo para 2.500 pessoas, a Folha viu pelo menos três doentes com pneumonia, um com tuberculose e uma pessoa com seqüelas de AVC jogados em colchões no pátio de esportes.

Crianças e bebês brincavam em meio a restos de comida e a fezes de pombos espalhados. Um animal morto estava preso na rede da quadra. Apenas quatro banheiros imundos serviam às mulheres. Os homens tinham de se contentar com três.

A situação sanitária era tão grave que dois vestiários, no fundo da quadra -sem vaso sanitário ou água encanada- foram improvisados como banheiros também. "Eles querem nos degradar como seres humanos", disse o motorista Assis David Monteiro, 62.

A maioria dos antigos moradores do Pinheirinho, expulsos de suas casas a partir das 6h do domingo, não teve tempo nem sequer para pegar os próprios documentos. Sem casa, sem documentos, muitos têm apenas uma muda de roupas. E pulseirinhas coloridas, que identificam quem pode entrar nos abrigos da prefeitura. Na escola Dom Pedro, a cor é azul.

Vários desabrigados disseram à Folha que as pulseirinhas estão servindo para discriminá-los. "É como se fosse uma coleira que nos colocaram para nos identificar quando andamos na rua. Vizinhos nos chamam de cachorros do governo", disse Rogério Mendes Furtado, 28, catador de sucata.

Na igreja de Nossa Senhora do Socorro, improvisada em abrigo extraoficial, cerca de 1.500 pessoas dormem em bancos, corredores e debaixo das marquises. Há apenas oito vasos sanitários. Banheiros não têm chuveiro.

Segundo Shirley Albino de Faria, 45, funcionária da paróquia, os alimentos foram obtidos de doações. "A prefeitura não está contribuindo com nada aqui, diz que os ex-moradores devem procurar os abrigos oficiais", disse.

Bichos também foram deixados para trás. Andréia, 23, doméstica, largou 20 galinhas, cinco cachorros, três gatos e três pássaros.

BAIRRO SITIADO

Sitiado, o Pinheirinho virou um bairro fantasma.

A PM diz que a previsão é que até a noite de hoje todos os moradores tenham retirado móveis e objetos. A demolição das mais de mil casas deve começar a seguir.

Ontem, um caminhão foi queimado e uma creche e uma padaria foram atingidas por coquetéis molotov.

O clima de tensão também atingiu o centro da cidade.

De manhã, dezenas de lojas abaixaram as portas total ou parcialmente durante protesto de cerca de 200 pessoas contra a desocupação.

O fórum da cidade completa hoje duas semanas de restrição de acesso por temor de invasão. Só podem entrar juízes, funcionários, promotores, defensores e cidadãos que vão para audiências.

O prefeito Eduardo Cury (PSDB) disse que o cadastramento apontou 925 famílias na área (2.856 pessoas).

Segundo ele, 250 famílias foram acolhidas nos abrigos da prefeitura (760 pessoas) e, destas, 147 pediram alojamento por tempo indeterminado -não têm para onde ir.

Segundo ele, as famílias passarão por triagem dos assistentes sociais.

O TJ disse, em nota, que a mobilização da PM e o comando dos policiais estiveram sob responsabilidade da presidência do tribunal.

O coronel Carlos Messias Mello, comandante da operação, afirmou que a PM não cometeu excessos.

"Foi uma operação que deu certo", disse.

(LAURA CAPRIGLIONE, JEAN-PHILIP STRUCK, JOSÉ BENEDITO DA SILVA, GIBA BERGAMIM JR. E MARINA GAMA)

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