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Análise

Muito além das ombreiras e dos 'mullets'

LUIZ RIVOIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Assim como os zumbis e os vampiros se levantam de suas covas e tumbas, os "malditos" anos 80 teimam em não descansar em paz.

De tempos em tempos, surge um novo revival daquela que ficou conhecida como a "década perdida" devido às sucessivas crises econômicas que assolaram Brasil e América Latina. A primeira ressurreição veio em meados dos anos 90, numa resposta à morte do grunge decretada a tiro por Kurt Cobain. Ombreiras e "mullets" infestaram as pistas em festas apropriadamente chamadas de "trash 80's", cuja graça era celebrar o pior que a indústria cultural da época, então a pleno vapor, havia produzido. E dá-lhe Balão Mágico, Trem da Alegria, Menudos e uma Xuxa muito, mas muito gostosa, que não tinha vergonha de sua alta voltagem sexual.

A onda "trash", no entanto, logo se viu engolfada pelo vaievém dos modismos que na sequência reabilitou os psicodélicos 60's e os sacolejantes 70's. Mas eis que outra vez, já século 21 adentro, os oitentões voltam a se levantar do túmulo.

A face que emerge não traz glitter, nem pochete, tampouco revira os olhinhos ao entoar "Piuí Piuí, Piuí Abacaxi". Os 80's que despertam trocam o deboche pelo niilismo que marcou a geração que hoje paira entre os 40 e 50 anos.

Gente que viveu sob o peso da Guerra Fria numa época conduzida pelo conservadorismo de Ronald Reagan e Margaret Thatcher num Brasil entristecido pela derrota das Diretas Já e perplexo diante da presidência de José Sarney.

Nesse contexto, os jovens órfãos do movimento punk encontravam conforto para suas angústias nos LPs de bandas inglesas como os The Smiths, The Cure e Joy Division. Por aqui, era Renato Russo e a Legião Urbana quem melhor encarnavam esses sentimentos, em versos que conclamavam seus fãs a "dançarem com ódio de verdade".

Logo, num planeta à beira do fim, quem achava que tinha algo na cabeça vestia preto e celebrava uma cultura então chamada "dark" ou gótica. Jovens que não estiveram lá levam hoje sua melancolia para passear nos corredores da galeria do Rock e nas calçadas do Baixo Augusta, em São Paulo.

Mas o que esses adolescentes de agora têm a ver com aqueles dos anos 80, além do penteado igualzinho ao de Robert Smith e tristeza infinita? Talvez apenas a velha vontade desesperada de se diferenciar dos pais. Ou, quem sabe, se aproximar deles de alguma maneira.

LUIZ RIVOIRO, 44, é jornalista e fã do Joy Divison.

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