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Barbara Gancia

Bom-mocismo para o Oscar

Em um país em que ricos estão eternamente entregues à esbórnia, teste negativo de bafômetro é troféu

VRRRUUUM! Os fatos se passam diante de nossos olhos na velocidade de um F-1. Numa rodovia, o filho do magnata Eike Batista não enxerga um ciclista que volta do trabalho e passa por cima dele. A cegueira chega a ser emblemática de nosso conflito de classes.

No dia seguinte, já está tudo ter­minado. As declarações são dadas, um teste de bafômetro é apresenta­do como troféu, o rapaz se entregou às autoridades espontaneamente.

Em um país em que os ricos estão eter­namente entregues à esbórnia, quem cumpre minimamente as normas acaba virando herói.

Não interessa mais a ninguém que o ajudante de caminhão Wander­son Pereira dos Santos tenha tido o corpo estraçalhado e a vida brutalmente interrompida. Ainda foi acusado por Eike Batista de imprudência. Nós já mudamos de página, esta­mos em outra.

Não uso "nós" para me distanciar, moralizar e apontar o dedo, não. Onde estão as testemunhas que vi­ram o carro chegando a um milhão por hora? Onde estão as provas da polícia técnica que podem nos di­zer a velocidade em que ele estava? Ninguém quer saber disso, eu in­cluída, porque quando olhamos pa­ra o rapaz o enxergamos como um pinti­nho molhado perdido na chuva.

O vimos crescer, filho da mulher que andava de coleira e trocou o marido por um bombeiro. Ele e o irmão, alunos do colégio alemão, de cara fechada nos desfiles de escola de samba ao lado da mãe, quem não se lembra? Cá entre nós, não há aí um embate terrível entre informa­lidade e rigidez?

Aliás, para o meu gosto, sobram componentes alemães na história: carro parcialmente alemão (que, aliás, já dormiu na sala de estar), educação alemã e, veja: quando Ei­ke diz que a presença de Wander­son, a vítima, na rodovia poderia ter matado outras pessoas, será que ele não está expressando o desejo de que o filho trafegasse em uma "au­tobähn"? Xerém está longe de ser uma via para se andar a 300km/h, estrada brasileira é coalhada de pe­riquito, pedestre e patinete -imagi­no que Eike saiba disso.

E não importa quanto dinheiro você tem ou se bebeu da cartilha de Bismarck e Metternich. Deve ter um mínimo de bom-senso e resistir à tentação de compensar com brin­quedinhos como um carro com motor de F-1.

Moleque tem pinta de He-Man, nome de Deus escandinavo e anda por aí com um modelo de carro do qual existem apenas 3.500 cópias no mundo. Isso aos 20 anos. O que ganhará quando fizer 21? A feira de um Airbus A380? A feira de Le Bourget inteira? Em nenhum lugar do mundo você consegue fazer o seguro de um carro esportivo da cilindrada no SLR McLaren para ser conduzido por pessoas com menos de 25 anos.

Quando olhar para trás, o que Thor terá aprendido ao levar em conta a rapidez com a qual este capítulo de sua vida foi encerrado?

No Livro "A Fogueira das Vaida­des", o milionário de Wall Street, Sherman McCoy, é massacrado por fazer a coisa errada em uma si­tuação de atropelamento. Em vez de ir às autoridades e contar a ver­dade, ele peca por omissão.

A família Batista escolheu a estra­tégia inversa. Colocou Thor na li­nha de frente desde o primeiro mo­mento. Mas o ambiente controlado em que a exposição se deu, com se­guranças barrando o caminho da imprensa, o pai falando pelo filho em tom arrogante e culpando a víti­ma sempre que pôde e a voz de Thorzinho ocupando todos os es­paços do Twitter nos fazem crer que estamos diante de uma ence­nação épica de bom-mocismo.

Tomara que o Ministério Público esteja à altura do desafio.

barbara@uol.com.br
@barbaragancia

AMANHÃ EM COTIDIANO
Walter Ceneviva

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