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Minha História / Mary Stela Camillato, 46

Quando a revolta chega ao limite

Fingindo estar armada, pedagoga fez a gerente do plano de saúde de seu pai, que tem câncer no cérebro, refém na terça-feira, em Vitória (ES)

(...) Depoimento a

LUIZA BANDEIRA
DE SÃO PAULO

RESUMO
A pedagoga Mary Stela Camillato, 46, fingiu ter uma arma e fez uma gerente de plano de saúde refém em Vitória (ES), na terça, para conseguir atendimento para seu pai, que tem câncer no cérebro. O hospital informou que não faria sua sessão de quimioterapia porque o convênio não tinha pago o tratamento.

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Tomei uma atitude errada, mas vinha tomando a certa desde dezembro.

Tenho uma liminar para garantir o tratamento do meu pai, mas o plano não acata a decisão do juiz. O que aconteceu na terça foi o meu limite.

Acabamos ficando inadimplentes com o plano porque tudo o que a gente precisava tinha que pagar particular. Médicos e clínicas foram descredenciados e, como estávamos insatisfeitos, nossa intenção era trocar o convênio.

Mas, quando meu pai foi examinado para entrar em outro plano, descobriu um problema no coração. Desistimos da troca. Como tinha a carência do convênio, ele foi tratado no SUS e na rede particular. Descobrimos, então, um aneurisma.

Resolvemos pagar o plano em agosto. Pagamos atrasado, mas pagamos R$ 429,90 por mês há oito meses.

Em dezembro, após uma tomografia do crânio, descobrimos o câncer.

No único hospital que o plano tem para internar não tinha a especialidade que meu pai precisava, oncologia. Ele entrou em coma e foi para um terceiro hospital porque o juiz mandou.

Lá, o plano negociou pagamento particular. O hospital deu alta para ele porque a dívida estava grande. Meu pai ficou 15 dias sem tratamento, e o juiz determinou de novo que ele fosse atendido.

Ele faz químio toda terça. No dia 25, o hospital telefonou pedindo para não levar meu pai porque o plano estava pendente com valores.

Mas eu fui para o hospital, onde me falaram que não fariam procedimento. Fui à sede do plano em Vitória, questionei a gerente e ela falou que não tinha dinheiro.

A gerente-geral sugeriu que eu conversasse com o diretor do hospital: "Quem sabe ele não atende de novo sem cobrar"? Eu achei o cúmulo, uma falta de respeito, e tomei aquela atitude.

Fechei a porta e falei: "Estou com arma na bolsa, você vai ligar para a gerente-geral e dizer que só vou te liberar quando liberarem o tratamento".

A polícia foi até lá e ficou tentando negociar, pedindo para eu liberar a refém. Eu dizia que a Justiça não estava resolvendo. Depois de 40 minutos, conseguiram negociar com o hospital.

Na delegacia, assinei um termo circunstanciado por ameaça e fui liberada.

Eu não tinha arquitetado o plano antes. Nem sei o que faria se a gerente não acreditasse que eu estava armada.

Tinha mais de 50 idosos esperando no escritório. Aquilo me revoltou muito porque vi que todos estavam com o mesmo problema do meu pai.

Ele não sabe que eu fiz isso, nem que tem câncer. Pode entrar em depressão e ter algum problema. Desligamos todas as TVs para ele não saber o que aconteceu. Ele não precisa passar por essa humilhação.

O plano alega que a gente não aceita a doença. Eu digo que sei que é grave. Mas quero que ele morra fazendo o tratamento com dignidade.

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