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Fliperama - Antonio Prata @antonioprata Bósons de Flip EIS QUE os físicos, alardearam ontem os jornais, encontraram a famigerada "partícula de Deus" (bóson de Higgs, para os íntimos), um farelo da matéria que, se entendi bem, é responsável por dar massa a todas as coisas -eu e você, inclusive. Esta descoberta substancial -no sentido preciso da palavra-, remeteu-me a um verso do poema "A Flor e a Náusea", do Drummond, lido por Antonio Cicero na abertura da Flip: "Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase". Triste é o mundo olhado levianamente; a "vida não examinada" que, como disse Sócrates, "não merece ser vivida"; a matéria sem consciência da própria massa. Menos triste, portanto, é o universo desde anteontem, quando o tal bóson de Higgs, que surge da colisão de prótons e dura apenas um átimo, veio iluminar o peso das coisas, trazendo mais ênfase à nossa consideração. Efeito idêntico tem a poesia. No meio do poema lido por Cicero, que começa descrevendo um mundo desolado e amortecido, uma flor irrompe do asfalto. Esta flor, segundo o filósofo e poeta, é a própria poesia, capaz de desautomatizar nosso olhar, seguidamente anestesiado pela covardia, pela banalidade, pela rotina. Essa flor, meus caros, é o bóson de Higgs literário. É a fagulha que surge do choque entre a palavra e o leitor. Enquanto brilha, somos capazes de tirar os olhos do contracheque, da louça suja, da troca de óleo e sopesar a massa da existência. É o que acontece várias vezes por dia, aqui em Paraty. Quando a voz de Drummond banha com seus versos a Tenda dos Autores, quando jovens escritores desdenham respeitosamente da morte. É o que acontece cada vez que um livro nos toca: nos vemos com "apenas duas mãos e o sentimento do mundo". É só um tímido facho de luz na escuridão, "mas a poesia desse momento/ inunda" nossa "vida inteira". Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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