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'Minha salvação é que encontrei a fada madrinha'

DE SÃO PAULO

"Com a graça de Deus, sei fazer amizade", afirma Ronaldo Breves. Simples assim, o "Poeta dos Jardins" define sua facilidade em se relacionar bem com as pessoas que o cercam. E não são poucas.

"Meu camarada, não fosse minha 'fada madrinha' eu tava enrolado", afirma, referindo-se à amiga Marina Lucchesi, 56, hoteleira.

Roupas, comida, produtos de higiene; nos últimos três anos ela é que vem salvando Ronaldo repetidas vezes.

Marina o conheceu perto do trabalho, quando ele costumava passar os dias na rua Estados Unidos, também nos Jardins, há poucas quadras do "atual endereço" do poeta, na rua Oscar Freire.

Foi ela também que durante seis meses cuidou para que o poeta não deixasse de lado a medicação contra tuberculose. "Ronaldo ficou 35 dias no Hospital São Paulo", lembra Marina. "Foi depois que mudou que ele ficou doente."

Segundo ela, Ronaldo é "extremamente" inteligente e apesar de estar na rua já teve casa e profissão.

Na esquina da Oscar Freire, Ronaldo está há "uns seis meses". Tempo mais do que suficiente para reforçar sua "lista" de amigos.

Lindolfo Bispo dos Santos, 42, ex-segurança de joalheria nos Jardins é um deles.

Ele não trabalha mais ali, mas nem por isso deixou de passar quase todos os dias de moto pela "casa" de Ronaldo.

Na terça, enquanto a Folha esperava o poeta acordar, Lindolfo apareceu. Pegou um garrafão de plástico, atravessou a rua e em poucos minutos voltou. "Tá aqui a água. Como é que estão as coisas?" Fez mais um tempinho e foi embora trabalhar.

Nem todos, porém, sentem-se confortáveis com a presença de Ronaldo por ali. "Você é da prefeitura?", pergunta uma moradora à reportagem. "Isso aí é um absurdo, uma imundíce. Não sei como não fazem nada e deixam esse lugar desse jeito!"

IDENTIDADE

"Claro que eu tenho família. Até cachorro tem, por que eu não ia ter?", pergunta Ronaldo. "Nasci ali na Consolação e hoje minha irmã mora na Vila Brasilândia."

RG ele não tem mais. A idade é incerta, assim como as lembranças. Ronaldo é assim.

Alterna momentos de extrema lucidez com outros de extrema confusão. "Claro que bebo. Eu moro na rua desde 1993", diz. "Quiseram me internar. Fui parar na frente de uns médicos que, veja você, me perguntaram se eu ouvia vozes! Vê se posso com isso."

O poeta garante ter sido gráfico. Para quem dúvida, descreve cada componente de um linotipo como quem desfia um rosário. Diz também ter sido "um homem elegante". "Já saía da cama com o vinco da calça bem marcado", diz.

Segundo Marina, lidar com Ronaldo não é fácil, mas é possível. "De vez em quando, é só dar uma chamada que ele coloca os pés no chão."

Para Rosangela Lyra, presidente da Alof (Associação dos Lojistas da Oscar Freire), Ronaldo é uma "figura emblemática" da região.

Segundo ela, a associação mantinha até pouco tempo um trabalho de assistência com a Aliança de Misericórdia, para moradores de rua.

Procurada, a Subprefeitura de Pinheiros não informou a situação atual do imóvel em que Ronaldo está vivendo -o prédio segue desabitado por força de uma disputa judicial. Também não informou que tipo de assistência é dada aos moradores de rua da região.

"Ô meu camarada, aqui é bacana. Tenho amigos. Mas vou te dizer, queria mesmo é ir para a Brasilândia."

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