Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Plantão Pet

O 'motor' do hospital é o trabalho de voluntários e o amor militante que muita gente nutre pelos bichos

Danilo Verpa/Folhapress
A gata Nina, que quebrou as patas traseiras, aguarda para receber os primeiros socorros
A gata Nina, que quebrou as patas traseiras, aguarda para receber os primeiros socorros

DE SÃO PAULO

Beethoven, 15, sangra pelo tumor supurado na boca; Valente, idade ignorada, tem uma fratura exposta na perna dianteira esquerda; Meg, a gatinha de três meses, arrasta as patas traseiras (paraplégica?); Skitter, 11, está chapado de analgésicos.

Com fratura de bacia, o vira-lata arrepiado vence o torpor e estica os olhos tristes para a dona, a doméstica Alzira de Jesus, 75.

Barney, 12, o poodle de dentes e hálito podres (ele também é quase cego), da dona de casa Arminda Paulino, 76, chora de dor.

São 6h e a calçada do predinho na rua Professor Carlos de Zagottis, onde funciona o Hospital Público Veterinário, reúne 38 cachorros e gatos esperando por socorro.

Chegaram de todos os cantos em sacolas, caixas de papelão, carrinhos de feira, mochilas. A maioria viajou escondida. É proibido levar animais no transporte público paulistano. Só se admitem cães-guia de cegos.

Nove entre dez bichos, ali, nunca estiveram em um veterinário. Falta de dinheiro.

O doutor Renato Tartalia, diretor do hospital, atendeu a um cachorro com fratura antiga na bacia. Não andava, parou de comer. A dona até tentou um veterinário particular. Cobraram-lhe R$ 1.000.

A dona pensou em sacrificar o cão, mas desistiu -"Para mim, ele é como um filho com quatro patas".

Passou semanas ministrando-lhe analgésicos orais. Quando chegou ao hospital, uma úlcera perfurava o estômago. E havia a fratura. "Agora, está bem", diz o médico.

Cristiane Silva Araújo, 31, doméstica, casada e mãe, ficou desesperada quando recebeu de uma clínica particular o diagnóstico: sua gata siamesa, Luna, 10, que parou de comer e sofria com a garganta inflamada, tinha um tumor no pescoço.

"Chorei muito. Houve momentos em que eu estava triste e ela foi quem mais se preocupou com a minha dor. Me afagou. Os animais têm essa sensibilidade. Eu pensei: agora é hora de retribuir", disse.

Cristiane e Luna, que vivem na zona norte da cidade, pegaram quatro ônibus para chegar, ainda de madrugada, ao hospital. Clandestina, Luna pareceu entender a situação. Enfrentou duas horas de viagem em silêncio total.

Um médico analisou o caso. Descartou o tumor como um erro de diagnóstico do veterinário que antes atendera Luna. "Vai aproveitar essa amizade", ele disse.

Luna voltou a comer.

"Quem dera o atendimento que os humanos recebem fosse tão bom assim", diz Cristiane. Ela conta que fez um exame ginecológico na Unidade Básica de Saúde de seu bairro. "O resultado demorou um ano para sair."

"Eu queria ser cachorro também", brinca Zelita Ferreira Nunes, 45, que levou Nina, de cinco meses, perna quebrada, para o hospital público de bichos.

Moradora de Guaianases, na extremidade da zona leste, ela viu a cachorrinha passar pelo clínico e ser encaminhada ao ortopedista.

"No mesmo dia! Meu marido tenta marcar consulta no ortopedista há quatro meses e não conseguiu ainda."

Segundo o doutor Tartalia, "o motor principal do hospital é, além da verba da prefeitura, o trabalho dos voluntários e o amor desinteressado e militante que muita gente nutre pelos animais".

VALENTE

Com pouco mais de dois meses, o local já coleciona exemplos incríveis disso.

Como o caso de Valente, o poodle branco que apareceu na Vila Amália (zona norte). Provavelmente abandonado, sem saber para onde ir, o cachorrinho acabou debaixo de um carro. Fratura exposta.

Eduardo Julio da Silva, 40, autônomo, e mais três vizinhos levaram o poodle, ali mesmo rebatizado de Valente, para os primeiros socorros em um veterinário.

Vaquinha feita, cada um pagou R$ 54 no cartão de crédito. Mas Valente precisava de cirurgia. Aí a conta subiria para algo próximo de R$ 1.200. Foi quando descobriram o hospital da prefeitura.

Operado, Valente tem de ser levado duas vezes por semana para os curativos.

"Vamos até o fim. Se ele veio até nós, algum motivo tem", diz Silva, tentando explicar tantos cuidados com, afinal, um desconhecido.

Mas os efeitos do excesso de demanda já se manifestam. Passados 18 dias da primeira consulta, Beethoven, o cão com o tumor supurado na boca, ainda não foi operado. Agora, está tudo contaminado e ele mal consegue comer a papinha da dona.

Skitter, o vira-lata quebrado, também espera a cirurgia. Sua dona ainda o mantém dopado com analgésicos, para ele aguentar a dor. No hospital dizem que, a cirurgia, de amanhã não passa.

Barney, o poodle que chora com dor de dente, deve ser atendido na próxima quarta. Terá de fazer extrações.

(LC)

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.