São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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ARTIGO

Tirar dos ricos para dar aos pobres

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O presidente Bush parece preparado para arruinar o Orçamento dos Estados Unidos por muitos anos. Quando ele assumiu o poder, a perspectiva era de que tivéssemos superávits orçamentários pelo futuro previsível. Hoje, devido a uma combinação de cortes de impostos irresponsáveis propostos pelos republicanos, uma desaceleração na economia, o estouro da bolha do mercado de ações e um aumento maciço nos gastos com a defesa, déficits imensos dominam o horizonte fiscal.
E o pior está por vir, porque o governo Bush e o Congresso sob domínio dos republicanos estão se preparando para agravar a confusão fiscal. Os danos que eles causarão provavelmente enfraquecerão os Estados Unidos e aumentarão a instabilidade da economia mundial.
Tradicionalmente, o Partido Republicano dos Estados Unidos defendia orçamentos equilibrados. Isso mudou quando o governo Reagan assumiu e os republicanos conservadores começaram a favorecer cortes de impostos nem que isso causasse déficits orçamentários consideráveis. O presidente Reagan disse ao povo norte-americano que os cortes de impostos seriam agradáveis, que o reforço das forças militares seria benéfico e que era possível manter os programas de gastos públicos preferidos de todos, tudo ao mesmo tempo. O resultado, sem surpresa, foi uma série de imensos déficits orçamentários que demoramos anos a consertar.
Tanto o presidente George Bush (pai) quanto Bill Clinton tiveram de aumentar impostos para resolver a bagunça deixada pela era Reagan. Os aumentos de impostos provavelmente contribuíram para a derrota de Bush (pai) por Bill Clinton em 92. Mas Clinton corajosamente decidiu concluir o processo de restauração do equilíbrio fiscal, em parte para proteger as verbas de longo prazo do programa de aposentadorias do seguro social. Quando Clinton encerrou seu mandato, em 2000, a situação orçamentária do país era a melhor em décadas.
E aí surgiu o presidente George Bush Jr. para nos levar de volta aos anos Reagan: grandes cortes de impostos, um aumento considerável nos gastos militares e a continuação ou até a expansão dos sempre populares programas de gastos públicos. O resultado era previsível. Em janeiro de 2001, a projeção de resultados cumulativos do Orçamento para o período 2002-2011 era de um superávit de US$ 5,6 trilhões. Pela metade de 2002, esses superávits projetados tinham desaparecido.
Tendo em vista a mudança nas condições econômicas e a sombra da guerra com o Iraque, seria de esperar que o Congresso comandado pelos republicanos e o governo Bush fossem mais cautelosos ao propor novos cortes de impostos. Mas não, sua maior prioridade é instaurar novos cortes que beneficiarão principalmente os ricos. Ao mesmo tempo, o governo pede por grandes aumentos nos gastos militares. Com a eleição presidencial de 2004 se aproximando, pode ter certeza de que não haverá cortes significativos nos gastos não militares.
Assim, os déficits orçamentários imensos aparentemente chegaram para ficar. Se os gastos internos simplesmente se mantiverem constantes como fração da renda nacional, o resultado orçamentário cumulativo dos próximos dez anos será um déficit combinado de US$ 1,5 trilhão. Mas esse número talvez seja otimista, porque provavelmente não leva em conta de maneira adequada os custos da possível guerra no Iraque ou de nova rodada de cortes de impostos, nem o risco de que os juros subam nos próximos anos.
Por que os republicanos estão tão despreocupados com essa bagunça? Alguns se preocupam mais com o corte de impostos para os ricos do que com qualquer outro assunto. Outros acreditam que os déficits forçarão grandes cortes nos gastos internos do governo, assim reduzindo o papel do Estado. O problema com essa posição é que a maior parte dos contribuintes aprova os programas de gastos internos, e não apoiaria cortes importantes de gastos.
Uma questão mais intrigante é determinar por que os norte-americanos votam nos defensores dessas políticas, quando deveriam saber que o resultado provável é uma série de problemas. Uma resposta é que a maior parte dos eleitores não sabe dos problemas orçamentários iminentes. Resposta mais precisa seria a de que a maior parte dos norte-americanos não votou nessas propostas. Nas eleições de 2002, apenas 40% dos eleitores compareceram às urnas, dos quais cerca de metade votaram nos republicanos, ou seja, 20% do universo de eleitores norte-americanos.
É claro que as perspectivas não precisam ser tão sombrias. A guerra no Iraque pode ser evitada. Os cortes de impostos propostos podem ser atenuados ou abandonados. Mas prevejo grandes déficits orçamentários por anos, e um crescente sentimento de inquietação, nos Estados Unidos e no exterior, quanto à situação macroeconômica norte-americana. Os investidores estrangeiros podem decidir reduzir o financiamento em termos favoráveis que oferecem ao Orçamento e à conta corrente dos EUA. O dólar pode cair, e o medo da inflação pode se tornar mais pronunciado. Tudo isso torna as autoridades norte-americanas menos confiantes e menos flexíveis em suas respostas a choques econômicos.
Os pobres sofreriam mais, nos Estados Unidos e no exterior, enquanto o presidente Bush e o Congresso dizem ao povo norte-americano e ao mundo que, graças aos imenso déficits orçamentários, não resta dinheiro para tratar de problemas como a pobreza, a doença e a educação. A menos que os norte-americanos comuns acordem para esses riscos fiscais, os ricos podem sair com outro presentinho multibilionário enquanto o país e o mundo enfrentam as duras consequências por anos.


Jeffrey Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra na Universidade Columbia (EUA)

Tradução de Paulo Migliacci


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